CPIs em dose dupla

O governo tanto brigou para que não fosse instalada a CPI do Apagão Aéreo na Câmara dos Deputados que acabou conseguindo não só uma, mas duas. Haverá uma CPI na Câmara e outra no Senado. Além de oferecerem a perspectiva de que a nação descubra os mistérios dos céus do Brasil, onde aviões não voam, se chocam, quase caem, ficam invisíveis e sem comunicações, poderemos com a instalação das CPIs estar certos de que, pelo menos desta vez, o direito democrático das minorias foi assegurado. O governo pode quase tudo, mas no sistema democrático há de se curvar às exigências constitucionais e respeitar as minorias. Senão, estaríamos a um passo da ditadura.

A oposição havia requerido a instalação de uma CPI para investigar os mais de seis meses de balbúrdia no transporte aéreo, iniciada com a queda do avião da Gol, o maior acidente aéreo da história da aviação civil brasileira. De lá para cá foram se repetindo episódios que aumentavam os problemas, a maioria deles desconhecidos, ocultos ou mal-explicados. De parte do governo houve desde o início a política de empurrar a culpa para os outros. O Executivo seria vítima e advogado intransigente dos milhares de passageiros amontoados nos aeroportos, aguardando vôos que não saíam ou que não chegavam. Os culpados indigitados foram muitos. Ora eram os controladores de vôo; ora a rede precária de radares; ora falhas nos sistemas de comunicação entre aeronaves e estas e as torres de comando; ora as companhias aéreas que não informavam os passageiros sobre os problemas e suas causas e ainda faziam ?overbooking?; ora a chuva, o sistema de computadores e outras desculpas esfarrapadas.

Aconteceu de tudo e mais alguma coisa, evidenciando o sucateamento do sistema, que não teria recebido, no primeiro governo de Lula, e mesmo em administrações anteriores, as verbas e ampliações indispensáveis para funcionar com eficiência e segurança. Foram feitas várias reuniões e criadas diversas comissões sob o comando do ministro Valdir Pires, da Defesa, ou do comandante da Aeronáutica. Também do ministro do Planejamento, um civil que não tinha nada a ver com o peixe, já que o sistema de controle aéreo é militar. Foi uma bola fora do governo, que quase lhe custou um desentendimento com as Forças Armadas de conseqüências imprevisíveis.

Os controladores de vôo estão sendo processados pela Justiça Militar porque, no desespero, chegaram a fazer um movimento paredista exigindo a ampliação do quadro de servidores, mais instrumentos de controle dos vôos e melhoria salarial. Controladores, por diversas vezes, chegaram a declarar que voar nos céus do Brasil não é seguro. E o mesmo disseram entidades internacionais do setor aéreo.

Afinal, o governo vestiu a carapuça, só que da maneira mais equívoca possível: decidiu boicotar a instalação da CPI na Câmara, já admitida pelo seu presidente, o petista Arlindo Chinaglia. A oposição recorreu ao Supremo Tribunal Federal, que, em liminar do ministro relator, deu-lhe ganho de causa e defendeu o direito das minorias e o do povo de saber o que está acontecendo com o nosso sistema de transportes aéreos. A mesa da Câmara, apesar dessa decisão liminar, decidiu aguardar a decisão final do plenário do STF. Enquanto isso, a oposição, que é majoritária no Senado, protocolou um requerimento para instalação de uma outra CPI sobre o assunto naquela Casa. As duas CPIs acabam de ser aprovadas concomitantemente. O Senado abrigou o requerimento e o Supremo, por 11 votos a zero, decidiu que a Câmara tem de instalar a CPI imediatamente. Isso levou o Senado a estabelecer um prazo de vinte dias para instalar a sua comissão de inquérito.

Para quem não queria ver nada esclarecido, o governo saiu perdendo. Teve uma derrota política e jurídica dupla e se não queria uma CPI, vai ter duas. Tomara que desta vez descubram os mistérios dos céus do Brasil e, o que é mais importante, acabem com essa perigosa balbúrdia.

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