Corrupção como instituição

No índex dos países mais corruptos do mundo, o Brasil nunca fez feio. E sempre se escusou com o fato de que esse fenômeno, que, desgraçadamente, nem para todos parece um mal, existe em todos os países, inclusive entre os mais poderosos, prestigiosos e que se posicionam como líderes. A corrupção é às vezes denunciada e desmascarada, raramente punida. Ela, e não a denúncia e punição, se institucionalizou, seja nos governos passados como até no presente, pelo que se tem visto nos últimos fatos envolvendo desde a viagem angelical de uma ministra, até a facilitação de agentes da Polícia Federal em contrabandos, do fisco em apreensões e de segmentos do Judiciário na venda de sentenças e em remessas bilionárias e irregulares de dinheiro para o exterior.

“Sou, mas quem não é?”, dizia a piada de um popular cômico de televisão. É velha a frase atribuída a um antigo jornalista que, diante da corrupção, teria dito: “Ou comemos todos, ou haja moralidade!”.

Compraz-nos o fato de que, nos últimos tempos, fatos de corrupção, envolvendo até gente das altas camadas do poder, têm sido denunciados, mas ainda não punidos pra valer. E parece que continuam mais corruptos fora das cadeias do que dentro delas e mais corrupção encoberta do que descoberta e colocada ao conhecimento público.

As investidas contra a corrupção e os corruptos são úteis. Mais do que isso, necessárias e plantam alguma esperança. Não podemos nos esquecer, entretanto, que por mais que se repitam continuam episódicas, o que indica que é preciso institucionalizar o combate, já que a própria corrupção está bem institucionalizada, sedimentada e até aceita ou tolerada. Quanto aos corruptos, parece até que exercem direitos. E direitos históricos, tão velho é o costume de passar a mão no dinheiro alheio. E o alheio é nosso, do povo.

Porque recentes, dois movimentos de combate à criminalidade e à corrupção ganharam notoriedade no mundo. Um foi o dos Intocáveis, sucesso de cinema e de fato. Um grupo especial de policiais incorruptíveis, de extrema coragem, combatendo com sucesso os criminosos. Outro é atual. Referimo-nos ao movimento desenvolvido na Itália contra os corruptos, com ação intensa e dura do Ministério Público e de setores da Magistratura, que levou dezenas de criminosos de colarinho branco à cadeia. Em um e outro caso há uma lição: o combate à criminalidade e à corrupção foi feito de forma institucionalizada e não pelos instrumentos normais, mesmo porque estes já mal cheiravam de tão corruptos.

Aqui, algo de parecido se recomenda. A primeira idéia que nos ocorre é reforçar o Ministério Público. Em segundo lugar, instrumentar as corregedorias. E nos dois casos é preciso legislação competente, o que não significa acorde com trâmites processuais frouxos, mas enérgica e capazes de colher resultados com rapidez, sejam contra quem forem.

A transparência dos atos públicos deve ser constante e cristalina, para que o povo seja o fiscal dos fiscais. Para isso, é necessário que se dê educação aos cidadãos, pois depois de tantos anos de roubalheira, até há quem a considere um fato normal na democracia e, em particular, na nossa, a brasileira.

Certamente não chegaremos, e nem se recomenda que cheguemos, às medidas extremas das guilhotinas, dos paredões. Nem à abolição de garantias individuais que nos são caras, como o habeas corpus, o mandado de segurança e até as liminares, infelizmente tão vulgarizadas. Mas a lei deve ser exigente ao extremo para que tais direitos sejam garantidos. Mais caros são os direitos da sociedade que os particulares.

Entre estes merecem maior proteção os dos honestos que os dos suspeitos. É lamentável, mas é preciso também que no serviço público a denúncia fundamentada resulte, de imediato, no afastamento do denunciado de suas funções, o que quase nunca ocorre. Reconhecemos que, provada sua inocência, tudo deve ser feito para alvejar-lhe o nome elameado injustamente. Mas o risco de ter na função pública um corrupto é muito mais grave do que o de indigitar um inocente, em especial quando será possível, inocentando-o, ressarci-lo do mal que lhe tenham feito. É hora de acabar com a instituição da corrupção e implantar a instituição do procedimento correto, moral, respeitoso para com os interesses públicos.

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