Contratos e ordem pública

Debate-se no Brasil o sentido e o alcance dos contratos à luz do direito contemporâneo. Presentemente, a função social dos contratos é um preceito de ordem pública. Inválido, por isso, pode ser considerado qualquer negócio ou ato jurídico que contrariar essa disposição, hoje inserida no direito brasileiro pelo art. 2.035 do novo Código Civil (Lei n.º 10.406, em vigor a partir de 11 de janeiro de 2003).

Esse princípio legal é aplicável a todas as espécies de contratos, tanto de direito privado quanto de direito público. É que no campo jurídico contemporâneo não há mais espaço para a separação absoluta entre o público e o privado.

Além disso, tal incidência abrange não apenas atos e negócios realizados após 11 de janeiro do ano em curso, mas compreende também aqueles concluídos antes da vigência do nosso Código Civil; a conseqüência, contudo, será diferente: no primeiro caso (contratos posteriores à nova lei), haverá invalidade; na segunda hipótese (contratos pretéritos), ocorrerá ineficácia, total ou parcial.

Por conseguinte, aos contratos em geral se impõem os limites da função social, que passa a ser o sentido orientador da liberdade de contratar, pilar e espelho da sociedade brasileira contemporânea. Novos tempos traduzem outro modo de apreender tradicionais institutos jurídicos.

Não se trata de aniquilar a autonomia privada, mas sim de superar o ciclo histórico do individualismo exacerbado, substituindo-o pela coexistencialidade. Quem contrata não mais contrata apenas com quem contrata, eis aí o móvel que sinaliza, sob uma ética contratual contemporânea, para a solidariedade social.

Probidade e boa fé são princípios obrigatórios nas propostas e negociações preliminares, na conclusão do contrato, assim em sua execução, e mesmo depois do término exclusivamente formal dos pactos. Desse modo, quem contrata não mais contrata tão só o que contrata, via que adota e oferta um novo modo de ver a relação entre contrato e ordem pública.

O equilíbrio entre justiça e segurança jurídica provoca a compreensão desse cenário jurídico. O desafio é decodificá-lo para construir o futuro que não deve se resumir a um requentar do passado. Assim, no debate quanto à validade e à eficácia dos contratos no direito brasileiro, está presente um sistema de valores que contrapesa, no direito, a justiça e seu avesso.

Luiz Edson Fachin

é professor titular de Direito Civil da UFPR.

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