Contrato de namoro – A validade jurídica do acerto para evitar obrigações legais

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu no Brasil o reconhecimento da união estável ao determinar que “para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. Foi o marco inicial onde, pela primeira vez, uma norma pública validava uma situação que pela Sociedade já era considerada plenamente aceitável. A primeira regulamentação veio pela Lei n.º 8.971, de 29 de dezembro de 1994, procurando disciplinar o direito dos companheiros aos alimentos e à sucessão. Mas foi apenas com a Lei n.º .9278, de 10 de maio de 1.996, que as questões patrimoniais ficaram plenamente regulamentadas ao determinar seu artigo 5.º que “os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são considerados frutos do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito”. O novo Código Civil Brasileiro deu mais um passo neste assunto trazendo regulamentação complementar em seus artigos 1.723 a 1.727, não apenas ratificando o que já dispunha a legislação anterior, mas acrescentando sua diferenciação com o concubinato. A preocupação do legislador é justificada e comprova a necessidade absoluta de melhor conhecimento do tema. O Censo IBGE/2000 relatou que no período compreendido entre 1991 e 1998 houve uma queda de 5,1% para 4,3% nos casamentos civis convencionais (lavrados em Cartórios de Registro Civil). Em 1994 foram lavrados 763.000 casamentos, enquanto em 1998 o número foi reduzido para 699.000 casamentos (nos divórcios, houve um aumento de 32,5% dos casos quando comparados os números colhidos em 1991 e 1998). Embora não se possa aferir quantos casais optaram pela união estável, é visível seu crescimento em nossa Sociedade. Ao conferir à união estável direitos e obrigações que antes apenas poderiam ser exigidos dos formalmente casados, o legislador preocupou-se com acerto em conferir segurança àqueles que optaram em viver como companheiros. Mas existe uma diferença. Porque quando duas pessoas vão juntas ao Cartório Civil para celebrar seu casamento está claramente configurada a vontade de estabelecimento de uma vida conjugal. Nas uniões estáveis, o trauma ocorre quando no mesmo casal uma parte acha que já está vivendo como se casada fosse e a outra continua imaginar estar apenas namorando. Isto porque a união estável não incorporou apenas o conceito de informalidade, mas também o próprio estilo de vida entre os companheiros. Se para aqueles que se casam parece óbvio (e necessário) que devam residir sob o mesmo teto, o mesmo não se pode dizer dos companheiros. Dentro desse regime informal que livremente elegeram, é igualmente aceitável que os companheiros se tratem como um casal, mas cada qual permaneça residindo em sua própria casa. O que para os casados é obrigatório, para os companheiros é opcional (este entendimento, diga-se, já está consagrado pela Súmula 382 do Supremo Tribunal Federal). A esta condição acrescente-se a supressão do texto legal de qualquer menção quanto a um prazo mínimo para caracterização da união estável. A jurisprudência que antecedeu as leis inicialmente mencionadas fixava um prazo mínimo de cinco anos. Mas o legislador optou por não fixar um marco inicial a partir do qual a vida entre companheiros gerará reflexos no mundo jurídico. Dependerá, portanto, da análise de cada caso concreto. Esta postura do legislador criou um campo fértil para, mal iniciada a vigência do novo Código Civil, já se pretender inovar com os denominados contratos de namoro. Estes seriam, conforme buscam justificar os mais afoitos, um documento para, por assim dizer, “contradizer” o que foi dito pela Lei. Em outras palavras, o documento quer negar vigência a uma norma pública que entendemos irrenunciável pelo cidadão que optou por este tipo de união. Em vez de cooperar, os contratos de namoro, feitos ao arrepio da lei, apenas prestarão para dar uma falsa sensação de irresponsabilidade social. Não existe “meio casamento” ou “mulher meia gravidez”. Ou se está ou não se está.

Ou é ou não será! Se um casal de companheiros efetivamente se enquadrar nos requisitos dispostos pelo novo Código Civil, então os direitos das partes estarão plenamente assegurados. E neste ponto, é preciso ressaltar, não deve haver receio quanto ao resguardo do patrimônio porque a união estável permite a formalização de contrato escrito prevendo a regulamentação dos vínculos patrimoniais, ou seja, permitindo até a eleição do regime de separação de bens entre os companheiros (não havendo manifestação escrita, será entendido como adotado o regime da comunhão parcial de bens). Assim, em vez de buscar figuras jurídicas que apenas servirão para fomentar inevitáveis questionamentos judiciais quanto à sua eficácia e validade, melhor seria atentar para todas as condições que se exige para a caracterização da união estável e que estão determinadas no artigo 1.724 do Código Civil que dispõe que “as relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos”. A condição de lealdade na união estável foi acrescida pelo novo Código Civil, posto que as demais já se encontravam abraçadas pela Lei n.º 9.278/96. Como no casamento sempre se previu o dever de fidelidade (ora inserido no artigo 1.566, inciso I do Código Civil), as expressões quase que sinônimas caracterizam um comprometimento maior das partes, até porque a instituição da família em nossa sociedade é monogâmica e isto se exige tanto dos casados como dos companheiros. Assim, a liberdade da união estável não está na forma de interação dos companheiros, que terá o mesmo nível de comprometimento dos casados, mas apenas e tão somente na sua forma de exposição social. Mas isto não seria suficiente para diferenciar a união estável do namoro, porque dos namorados também existe a pressuposição da lealdade (embora enquanto para estes seja um desejo, para aqueles já tornou-se obrigação). E aí, então, se encerram as semelhanças que poderiam pretender confundir o namoro com a união estável. Para esta última, a lei exige muito mais. A começar pelo auxílio econômico recíproco que engloba a prestação de alimentos no seu sentido mais amplo: alimentação, saúde, habitação, vestuário, transporte, lazer, enfim, tudo o que se relaciona com nossas necessidades materiais. E ainda devemos acrescer o respeito aos direitos da personalidade: vida, integridade física e psíquica, honra, liberdade e segredo, ou seja, os direitos imateriais. Como se isto já não fosse suficiente, a obrigação de guarda, sustento e educação dos filhos, quando o casal os tiver, nos parece que põe por terra qualquer dúvida quanto a intenção de um casal em estabelecer família, distanciando-se em definitivo do namoro. Desnecessário dizer que a regulamentação da união estável apenas será aplicável para as pessoas sem impedimentos legais, ou seja, ao(à) solteiro(a), ao(à) separado(a) de fato ou judicialmente, ao(à) divorciado(a) ou viúvo(a). Não sendo assim, o que se configura é o concubinato, onde os concubinos não garantem para si os direitos inerentes a união estável, permanecendo a relação à margem da lei. Portanto, embora não se possa ignorar que as disposições acerca da união estável poderão eventualmente suscitar dúvidas para relações de namoro mais prolongadas, não se deve partir para um terrorismo jurídico onde o namoro vire um triângulo afetivo: homem, mulher e advogado, onde este último deverá estar buscando nos indigitados contratos de namoro o estabelecimento das regras para este relacionamento. O que valerá, se litígio houver, é a aferição das provas trazidas pelas partes, sejam documentais (contas conjuntas, aquisição de bens comuns, pagamento de contas de um pelo outro, etc.) ou testemunhais (o circulo de amizades por onde conviviam as partes). O que não se pode imaginar é que referidos contratos possam, assinados em qualquer das fases de um relacionamento afetivo, servir como contra-mão dos direitos e obrigações garantidos pelo Código Civil. E se isto é verdade, são nati mortus, porque viciados desde o seu nascimento haja vista a intenção inequívoca de ludibriar alguém. Se é verdade que o legislador agiu com acerto regulamentando os direitos (e deveres) dos companheiros que antes eram injustamente preteridos, também se deve reconhecer que sua regulamentação legal fez perder um pouco do glamour da informalidade, da oposição aos padrões sociais pretendida pelos companheiros então descompromissados, porque ao se pretender contestar o instituto do casamento, se elege outro que encontra-se igualmente regulamentado em Lei Federal. Os companheiros querem ser informais, mas antes precisam entender os reflexos jurídicos da união estável e, quem sabe, até firmar um contrato para se resguardar. Ora, já não serão tão informais assim. Fico imaginando o que será redigir um contrato de namoro. A começar pela sua denominação, para o que sugerimos: “Contrato de Empreendimento Amoroso. Capítulo I: do mero conhecimento das partes; Capítulo II: do interesse pelo namoro e nada mais; Capítulo III: do engajamento do namoro contínuo, em qualquer de suas fases; Capítulo IV: da dissolução do namoro”. Melhor parar por aí. Sou do tempo em que o namoro se iniciava com um beijo e terminava com um mero “não estou mais a fim”. É, o mundo está ficando muito confuso, até para nós advogados.

Luiz Kignel

é advogado. kignel@pompeulongo.adv.br

Voltar ao topo