O governo fez as contas e diz que não aceitará mudanças que descaracterizem ou que desfigurem a reforma da Previdência. Alega que, mudando, o sistema não se mantém e que no futuro faltará dinheiro para pagamento de aposentadorias e pensões. No esforço para fazer todo mundo entender o que diz, agentes do governo, como o ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência, Luiz Dulci, asseguram que foram eleitos para fazer o necessário e o mais justo e não o que é confortável. Do outro lado da linha, há quem insista: o governo comete estelionato eleitoral. Foi eleito por um partido que era contra a reforma e agora procura empurrá-la goela abaixo de gregos e troianos.
Se o projeto é bom, pelo menos no argumento em sua defesa, há falhas. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea, órgão do Ministério do Planejamento do mesmo governo que aí está, acaba de revelar que a reforma proposta garantirá uma economia ponderável aos cofres públicos (cerca de 65 bilhões de reais), mas avisa que esse dinheiro representa apenas 13,5% do déficit potencial da Previdência em reparos. Isto é, o déficit continuará grande, descomunal e impagável mesmo e após as mudanças propostas. Será, portanto, outro remendo.
O número revelado constitui um retrato da situação da Previdência no final do ano passado. “Do ponto de vista da austeridade fiscal – diz o Ipea em nota divulgada recentemente – o ideal seria um regime de previdência para os novos funcionários públicos que fosse totalmente capitalizado, de contribuição definida, e administrado de forma independente.” Com isso, o “financiamento” do Estado à Previdência seria gradualmente eliminado, “caracterizando um novo choque de responsabilidade fiscal, com efeitos macroeconômicos altamente favoráveis para o País”.
Quer dizer, a reforma que está proposta é outra meia-sola. Além de retirar direitos já um dia carimbados de privilégios (pois são inatingíveis pela maioria dos funcionários, muito mais ainda dos brasileiros todos), não resolve o problema e nem terá grandes efeitos na macroeconomia brasileira. Esta continuará financiando um sistema torto e sabidamente deficitário. Então não é verdade que está sendo feito o que é necessário para o País. Nem o mais justo. Justo seria fazer uma reforma de fato, como essa a que o Ipea está referindo em sua crítica às avessas à proposta que o Planalto resolveu defender com unhas e dentes.
Vai daí que podem ter razão os “radicais” do PT que se colocaram contra (ou melhor, que continuam contra) a proposta do Planalto que tanto incomoda funcionários públicos, magistrados e assemelhados. A caixa-preta da Previdência é bem maior e mais escura que essa que estamos acostumados a ver, porque assim nos é mostrada. O verdadeiro espírito das reformas, que Luiz Dulci diz ser inegociável, deveria ser buscado no primeiro intento do governo de FHC, que queria um sistema único, onde todos fossem iguais nos direitos e nos deveres, sem escaramuças nem exceções.
Por ora, como testemunha o próprio Ipea, tudo não passa de outra conta de chegar, tornando mais ou menos suportável o rombo, enquanto mantém quase intocados certos direitos e certos privilégios não alcançáveis pela cidadania de segundo nível. O que não deixa de ser outra contradição explícita do governo formado por um partido que sabia muito bem fazer outro tipo de discurso, como aquele da geração de milhões de empregos, que traria para a luz da economia formal a meia-parte que hoje não sonha com direitos porque não tem como contribuir para tê-los.