Considerações sobre o querer

Nossa racionalidade se vê, constantemente, contrariada por acontecimentos não desejados (acidentes), dolorosos (doenças), inexplicáveis (mistérios), aparentemente incoerentes, e que, por isso, tornam a realidade bastante confusa. Por outro lado, como uma das características marcantes de espírito, o querer (poder da vontade) se nos apresenta como capacidade de transformar as coisas pelo nosso desejo. A psicologia moderna comprova que muitos efeitos miraculosos podem surgir da disposição psíquica, da força de nossa vontade.

Na natureza, a beleza da flor ultrapassa os mecanismos bioquímicos que a geraram; as idéias têm significados que ultrapassam os mecanismos cerebrais que as determinam. Tais são verdadeiros efeitos “quânticos”, efeitos que induzem opções desejadas, como que indo além de suas condições físico-químicas. Ampliando horizontes, podemos perguntar se todo o mundo natural, produzindo seus efeitos, não funciona, no final, semelhante a um ato de vontade.

Estas são características que denunciam o caráter sui generis de toda a realidade que nos cerca, aparentemente só material, mas que, no fundo, traz em si o estofo de uma outra natureza, volitiva e telefinalista. A vontade se nos apresenta, assim, como desejo ínsito de toda a realidade, como algo que tem um objetivo, um fim a ser atingido. Se atentarmos para as manifestações da vontade no universo, veremos que seus ímpetos são energéticos, quânticos e intensos, muitas vezes destruidores, mas que, ao logo prazo, mantêm uma direção construtiva. A cada nível na evolução (física, biológica, animal ou humana), a vontade vai se tornando cada vez mais autônoma, mais consciente.

Platão perguntou se Deus é racionalidade ou vontade, coerência ou desejo. É lógico que tal pergunta só tem cabimento sob uma perspectiva humana, pois em Deus tudo se realiza ao mesmo tempo. De qualquer forma, de sua resposta se desdobraram muitas perspectivas históricas, conservadoras ou revolucionárias.

As posturas, racionais diante da realidade que nos cerca constituem o arcabouço ideológico que forjaram o ocidente capitalista e dominador. Já a postura volitiva e sensível representa o ardor com que grandes líderes vêem a realidade, carente de amor e decisões transformadoras.

Ora, colocar como pressuposto de nossas ações não a racionalidade, mas o coração e o amor, é tudo o que a humanidade mais deseja e necessita. Esta é a essência das mensagens de Cristo, Buda ou Lao-Tsé, mas que, infelizmente, ainda não passaram dos níveis verbais, com pouca correspondência na prática. Nosso maior desafio tem sido este de transformar desejos em realizações, em ações efetivas de cunho pessoal ou social.

Sem dúvida, o próximo passo na evolução do universo vai se dar no momento em que a vontade puder superar as suas fraquezas, indecisões, covardia. E isto só se dará a partir da raça humana, não em seu todo, mas a partir do heroísmo de uns poucos iluminados, super-homens que poderão concretizar a verdadeira revolução, sempre tão esperada. Vamos contribuir para que eles apareçam.

Antônio Celso Mendes

é professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e pertence à Academia Paranaense de Letras. (
acmendes@onda.com.br)

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