Conhecimento de causa

O espetáculo criado para dar visibilidade ao envio do projeto das reformas tributária e da Previdência ao Congresso Nacional foi quase perfeito. Em clima bom, a nação acompanhou a caravana oficial puxada pelo presidente Lula, da qual faziam parte com destaque os governadores dos estados, tão interessados nas propostas quanto o governo da própria União. Melhor que isso, para falar bem a verdade, só se o presidente da República tivesse sido seguido por uma multidão de trabalhadores e contribuintes em lugar de algumas centenas de administradores e servidores interessados na arrecadação.

O clima de um dia de sol, às vésperas de um feriado, ajudou em tudo. Depois, dentro do Congresso, algumas verdades, a começar pelo passe da bola com a óbvia observação de que “os senhores e senhoras são os donos do jogo”. Um presidente descontraído não poupou palavras para atribuir importância ao parlamento – uma casa objeto de muitas críticas, mas sempre essencial à democracia que agora tem o tempo que quiser para debater, dentro de sua autonomia, qualquer projeto. Que o parlamento tenha em mente, entretanto, que no ano que vem tem eleição. E reforma com eleição não rima nem na poesia nem na política.

Perfeita observação de que as reformas pretendidas não podem acontecer para fazer favor a alguns ou para prejudicar a outros, mas, sim, para tentar criar pressupostos que coloquem o Brasil nos eixos e dentro de um espaço que faça jus à importância que possui. Se surgirem problemas, chamem o Lula, um ex-incendiário que faz questão de dizer-se conciliador. “Serão quatro anos de paz e amor neste país”, disse ele, disposto a ajudar na solução de qualquer bronca “conversando com muita tranqüilidade”. O tom do discurso ignorava exatamente as primeiras broncas que afloravam fora do Congresso: radicais do próprio PT reforçavam os protestos de servidores contra uma “reforma igual à de FHC”.

O que pegou de surpresa os interlocutores e ouvintes foi a emissão do conceito presidencial do que é válido ou não válido em política – atividade em que, democraticamente, não importam palavras de crítica e aplauso: “O que não vale em política é a gente prejudicar 175 milhões de pessoas por conta de uma próxima eleição”.

Ora – e é preciso que se repita outra vez -, foi exatamente isso que o PT, capitaneado sempre pelas pretensões de um Lula candidato, fez durante os oito anos do governo de Fernando Henrique Cardoso. Com conhecimento de causa, o presidente Lula deixa transparecer nessas palavras toda a violência que é possível praticar contra o País por políticos que colocam interesses e projetos pessoais acima dos interesses nacionais e gerais da nação. A seu lado estava o deputado João Paulo Cunha, presidente da Câmara, autor formal desse reconhecimento que, se capaz de honrar o arrependido de hoje, é também um libelo contra a militância de ontem, cujos argumentos então usados servem apenas à latrina da história.

Esse conceito emitido pelo presidente Lula ficaria melhor, inclusive para sua missão auto-invocada de pacificador, se tivesse sido proferido juntamente com um pedido de desculpas ou, no mínimo, com o reconhecimento formal de que o passado, protagonizado por ele próprio e pelos seus, prejudicou os 175 milhões de brasileiros. Talvez um dia ainda faça isso. Mas Lula perdeu uma grande oportunidade para roubar o discurso que, imediatamente, passaram a fazer Arthur Virgílio, o líder do PSDB no Senado, secundado por outros líderes do PFL, PMDB, PDT e do PC do B.

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