Confins da reforma

Lá da África, onde prometeu a ajuda econômica que falta aqui, o presidente Lula informou os resultados de sua meditação sobre o crime organizado. Combatê-lo é tarefa difícil – disse – porque tem braços demais: na política, no judiciário, no setor empresário e, também, na sociedade civil. De qualquer forma, é preciso ter uma polícia mais inteligente e preparada, “e é isso que estamos fazendo para combater esses crimes que acontecem no Brasil”. Enquanto os entendimentos com os estados pela reforma fiscal fracassam, prosperam aqueles pela integração entre as polícias civil, militar e federal. Palavra de Lula.

Nenhuma palavra, entretanto, sobre a primeira e explícita derrama fiscal de seu governo – o aumento da alíquota da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), incluído no minipacote tributário editado através de medida provisória. Vai de 3% para 7,6% do faturamento das companhias a partir de fevereiro do ano que vem, data marcada também para o fim de sua incidência em cascata, ou seja, a cobrança do imposto sobre cada etapa da produção e venda, como ocorre atualmente.

O aumento decretado em pleno curso das discussões sobre a reforma fiscal – e para que todo esse esforço por reforma, então? – elevará o custo das empresas que atuam em todos os setores da economia tupiniquim, já sobrecarregadas de tributos com nomes também vários. Conforme estudos realizados, o comércio varejista sofrerá mais, com uma elevação de 3,39% (mais que o dobro) em relação à alíquota atual; em seguida vem o comércio atacadista, com uma variação de custo calculada em 3,01%, também superior à alíquota atual; o setor industrial caminhará com uma elevação, um pouco menor, mas também significativa, de 2,96%; e o setor de serviços também terá um impacto considerável, não inferior a 2,09%.

A absurda e intempestiva elevação da alíquota da Cofins anulará completamente, segundo garantem especialistas, os benefícios decorrentes do fim da cumulatividade. Foi, na verdade, um aumento disfarçado de imposto que o governo já comemora, segundo se anuncia em Brasília, com a previsão de um encaixe de pelo menos quatro bilhões de reais. Desgraça pouca é bobagem.

Um exagero, segundo reação imediata dos dirigentes da Federação das Indústrias de São Paulo, inutilmente atenta aos estragos da medida que, contraditoriamente, tem seu lado bom ao fulminar o bis in idem da contribuição cascateira. Assim, se o governo Lula pensa que vai azeitar a máquina a serviço do prometido espetáculo do crescimento, poderá ter desagradáveis surpresas. “Como esperar ampliação dos investimentos num ambiente de mudanças freqüentes nas regras e sucessivas altas na carga tributária?”, perguntam-se empresários de todos os naipes, enquanto instituições como a OAB – Ordem dos Advogados do Brasil estudam o ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade contra a malfadada medida provisória.

A eficácia da MP, na verdade, dependerá agora do Congresso Nacional, onde os parlamentares foram surpreendidos em plena discussão da reforma tributária encalhada. E terão que optar, naturalmente, entre seguir tentando reformar nosso iníquo sistema tributário e sacramentar as dubiedades palacianas que acenam, de um lado, com coisa boa, mas de outro sobrecarregam ainda mais os ombros já esfolados dos contribuintes. Se optarem pela segunda hipótese, como já anunciam lideranças menores, estarão, na prática, decretando os confins (isto é, os limites ou o fim) da reforma mais esperada desde o primeiro reinado de Fernando Henrique Cardoso. E tudo ficará ainda mais parecido com o que se praticava antes de a esperança vencer o medo… inclusive aquele originado no mundo do crime organizado, com seus múltiplos tentáculos em todas as áreas da sociedade organizada, referido por Lula em passeio pelos países africanos.

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