Comício do MST

Reduzir a violência no campo, que aumentou muito no decorrer deste ano da graça e do governo Lula. Este é um dos objetivos do Plano Nacional de Reforma Agrária, anunciado na sexta-feira que passou pelo ministro Miguel Rossetto, do Desenvolvimento Agrário, na presença das principais lideranças nacionais do MST – Movimento dos Sem Terra e do próprio presidente da República, rodeado de outros ministros de Estado. “Com o plano, estamos seguros de que produziremos um ambiente que vai gerar trabalho, dignidade, cidadania e paz”, disse o ministro, para acrescentar que “vamos organizar a agenda da produção e da renda”. Amém.

A meta principal seria beneficiar 530 mil famílias até o ano de 2006, quando Lula imagina já estar reeleito para continuar mudando esse Brasil à sua imagem e semelhança. Dentro dos benefícios imaginados está o assentamento de 400 mil famílias e a concessão de crédito fundiário a outras 130 mil. Sobra um pouco de trabalho para o primeiro ano do segundo governo, ou seja, 2007: assentamento de 150 mil famílias e liberação de crédito para outras exatas 37.500, perfazendo um total de 187.500 famílias assistidas na primeira promessa do próximo período de governo. Dinheiro? O primeiro desafio é ampliar de R$ 630 milhões para R$ 2,4 bilhões o orçamento para o setor em 2004.

Em termos de planos para o futuro, tudo vai bem. No presente é que a realidade teima contra a utopia: o governo havia prometido assentar 60 mil famílias este ano; reduziu a meta para 30 mil. Mas até o final de outubro tinha assentado menos de 22 mil famílias. Por essas e por outras, o anúncio do governo foi recebido com reservas por lideranças do MST e da Comissão Pastoral da Terra – o braço da Igreja Católica que estimula o movimento. A expectativa era de que o governo ousasse mais, com metas que chegassem a pelo menos um milhão de famílias. O bispo Tomás Balduíno avalia que uma reforma agrária para valer no Brasil só teria sentido a partir do assentamento de 4,5 milhões de famílias. Haja dinheiro: cada assentado custa entre trinta e cinqüenta mil reais, fora subsídios garantidos ao longo de indefinido tempo.

Mas o que mais chamou a atenção na cerimônia realizada diante da massa de sem-terra acampada no Parque da Cidade, em Brasília, foi o morde-assopra do presidente nacional do MST, João Pedro Stédile, e o clima de campanha emprestado pela insistência de Rossetto no lançamento precoce da reeleição de Lula. Para poupar o companheiro presidente, Stédile caiu de tacape e borduna sobre o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, responsável, segundo ele, por manter o Brasil ligado ao Fundo Monetário Internacional – FMI e por outros males. Stédile instigou Lula à radicalização, prevendo duras batalhas com latifundiários, com a bancada ruralista no Congresso, com banqueiros e por aí afora. “Nós seremos soldados dessa batalha”, ofereceu-se depois de arrancar da platéia o assentimento, aos gritos, de que o principal problema deste País é o desemprego. “E não há outra coisa mais rápida e barata – viu Palocci? – para gerar emprego do que aplicar na agricultura familiar e na reforma agrária.”

Que diria Lula a seguir? Primeiro, que morrerá defendendo a reforma agrária. Segundo, que a reforma agrária será realizada com a objetividade, mas dentro das possibilidades e sem repetir mesmices do passado. Terceiro, que o ministro Palocci é apenas integrante de um governo que, “graças a Deus”, tem Palocci (o mesmo que, segundo Stédile, foi prefeito de Ribeirão Preto, terra em que o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, tem uma fazenda e onde existe mais gente na cadeia que no meio rural…). Quarto, que os mais apressados ou nervosos façam a gentileza de julgar seu governo quando ele chegar ao fim.

Bem ou mal, Lula é o presidente da República e não merecia ficar ouvindo essas coisas, espremido entre a cruz de seus ministros e a caldeirinha dos movimentos sociais açulados por lideranças incendiárias. São provocações e promessas que servem num palanque, durante comício eleitoral. Em nada ajudam na construção da paz anunciada, dependente muito mais de trabalho que de discursos.

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