Colheita anunciada

Mais cedo do que se esperava, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está colhendo o que plantou: para propostas inexistentes ou nada claras, um governo sem rumo certo nem metas exeqüíveis. Em ritmo de paz e amor, assim acontece com a reforma da Previdência, já praticamente reduzida a pó de traque com a manutenção dos privilégios todos, especialmente o que consagra a aposentadoria integral ao servidor público; assim já se sabe será com a reforma tributária, que, entre outros males como a perenização da CPMF com o nome de CMF, embute o aumento da carga tributária no dizer do experiente Everardo Maciel, ex-secretário geral da Receita Federal; assim está acontecendo na área da segurança pública, onde continua o salve-se quem puder de Norte a Sul; também assim ocorre na área do (des)emprego, onde milhões aguardam uma das poucas metas claramente definidas em palanque – os dez milhões de vagas aludidas; com o salário mínimo, idem, à espera da duplicação; e assim, para infelicidade geral da nação, acontece também na área dos descamisados: o Fome Zero é pura demagogia, acaba de afirmar com todas as letras o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, amigo das primeiras horas de Lula, o sindicalista no governo.

Mal se encaminha o debate e a votação da primeira das reformas – a da Previdência – e para não sofrer derrota dentro do Congresso, no voto, os articuladores políticos do governo que aí está negociam vergonhosamente. E, contrariando todo o discurso, o fazem em benefício dos que recebem salários maiores – alguns casos cem ou mais vezes que aquele percebido pelos menores servidores da nação, seja na forma de salário ou o contracheque que, depois de aposentados, recebem com o nome de pensão ou benefício igual ou maior que a última remuneração na ativa. Quem foi eleito em nome de famintos e desempregados, pratica uma política que, na prática, vira-lhes as costas e acode prioritariamente os que têm barriga cheia. Para que reformar a Previdência se é para deixar, excetuando algumas perfumarias, tudo como está no principal? “Se fizerem isso, estarão matando a reforma da Previdência” – disse o deputado mineiro Roberto Brant, acrescentando: “Não vai sobrar nada”.

Segundo o viajante presidente Lula repete em Lisboa, cabe ao Congresso moldar as reformas. Certo, assim também pensamos. Mas então porque não deixar que o Congresso responsavelmente a debata, emende e acrescente e suprima e vote? Por qual motivo, ao menor sinal de fraqueza em sua base aliada, o governo, através de seus articuladores, entra em cena para formular propostas alternativas de negociação, como se a proposta apresentada fosse apenas um esboço, e a verborrágica fundamentação que a acompanha, tudo mentira? O recuo do Planalto – já se disse alhures – abalou a confiança dos governadores todos que, em procissão, foram um dia até Brasília dar apoio ao presidente. Dizemos bem mais: abala a confiança dos eleitores um dia esperançosos de mudanças e de correção das nossas iniqüidades consagradas com o nome de direitos adquiridos.

A qualidade mais evidente de Lula – dizia-se durante as sucessivas campanhas – era a de negociador. Moldado nas lides sindicais, ele seria imbatível na arte de negociar em benefício dos seus representados. Resta saber, agora, quais são, de fato, os seus representados. Se os que já saíram vitoriosos dos embates durante o governo anterior (com a ajuda da oposição sistemática que o PT lhe fazia, ação de que se disse arrependido), ou se dos que, frustrados, decepcionados e desiludidos, depositaram em Lula o pouco de esperança que ainda restava. A seguir a estrada encetada, Lula colherá, amanhã, o que está a plantar nos dias atuais.

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