Coisas menores

O presidente Lula não deve (e não pode) se ocupar de “coisa menor”. Certo. Ele é o presidente da República Federativa do Brasil, um país, como ele mesmo diz, complexo e difícil de governar, dada a sua extensão territorial, diferenças regionais, disparidades sociais, e tudo o mais que se queira dizer. Como presidente, tem um montão de assessores, a começar pelos ministros de Estado, que muito bem podem resolver quase tudo. Além disso, tem a seu lado os presidentes dos outros dois poderes – o Legislativo e o Judiciário, ambos com suas também complexas estruturas e muitos assessores bem pagos pelos contribuintes. Assim, Lula, o supremo magistrado, deve se ocupar só das coisas graves, aquelas em que entra em jogo o interesse nacional, ou o “conjunto do Brasil”, como diz.

Mas isso já era sabido antes, embora o presidente em seus discursos goste (e abuse) da linguagem coloquial, das alegorias à vida simples dos cidadãos de bem, e tenha até comparado, por diversas vezes, a condução do governo ao tino administrativo de uma anônima dona de casa. Assim, embora majestade, tudo o que diz respeito ao Brasil, o que interessa aos brasileiros, interessa também ao presidente. E não podia ser diferente.

Mas colocando os pingos nos “is” (não aqueles referidos por José Dirceu, que ainda nos deve), o que seriam “coisas menores” para o presidente? Falta de emprego para alguns milhões de brasileiros constrangidos a sobreviver da caridade alheia? Desamparo da infância, matéria-prima da delinqüência que apavora o Brasil e rouba a tranqüilidade das pessoas em todos os quadrantes? Abandono à velhice, como se velho fosse traste, apesar do Estatuto do Idoso, até aqui para inglês ver em quase todos os seus enunciados? Falta de vaga nas universidades num país de baixíssimo índice de estudos superiores? Escolas ruins, transformadas quase que em local para lanches gratuitos (quando não há desvio da merenda escolar) e ponto predileto dos distribuidores de drogas? Falta de segurança, enquanto pipocam denúncias de envolvimento da própria polícia, mantida pelos contribuintes, para delinqüir sob a proteção do Estado? Estradas ruins e portos idem?

Lula não quer ser incomodado por coisas pequenas. Mas que outras coisas, além daquelas relacionadas à sobrevivência normal dos viventes, seriam de ordem menor, para não prejudicar o sossego presidencial? Esse bate-boca acerca da natureza de um delito cometido por um alto funcionário do governo, chamado Waldomiro Diniz, auxiliar direto e predileto do “capitão do time”, é coisa pequena? Então por qual motivo apressou-se Sua Excelência a usar medida provisória para desviar a atenção, fechando bingos e caça-níqueis às vésperas do Carnaval, dando o assunto por encerrado? Por qual motivo, igualmente, tanto esforço para evitar que o Congresso Nacional passasse a investigar um caso que não se restringe, como estamos vendo dia após dia, a atos praticados antes de o PT assumir o governo? Isso, apesar de estar entrelaçado com contratos milionários celebrados, ao que se diz, irregularmente pela Caixa Econômica Federal, é tão pequeno assim? É desprezível o que se diz à direita e à esquerda sobre o trabalho de procuradores que “procuram” esclarecer fatos que consideram graves até na calada da noite, alta madrugada? Sua Excelência não estaria achando que tudo é coisa pequena demais para chamar sua egrégia atenção?

Nem mesmo esse cheiro, esse gosto, esse jeito de conspiração, admitido pelo ministro da Justiça, o experimentado advogado Márcio Thomaz Bastos, que acredita que alguém (mas quem?) está tramando sério para “derrubar o governo”, constitui coisa que possa abalar a grandiosidade dos pensamentos presidenciais? A tese da “conspiração” abraçada pelo PT para, inclusive, alimentar os palanques durante a próxima campanha, também não tem importância alguma? E dos que pedem a cabeça de ministros, que dizer? Nem se fale dos que ficam na fila dos aeroportos, da Receita Federal, da Previdência Social e dos hospitais, todos reféns de servidores públicos que usam as massas anônimas para a satisfação de suas reivindicações econômicas… são coisas menores demais para delas se ocupar um presidente. Assim, pensando bem, Lula deveria mudar de país.

Voltar ao topo