Cofre cheio

Usando dinheiro do trabalhador (FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador) que sobra para incentivar exportações de pequenas e médias empresas, o Brasil é um país que vai bem, obrigado. E, apesar da choradeira e do pouco investimento em obras, está de cofres cheios. Ficamos sabendo disso poucos dias depois que o governo foi flagrado tentando aumentar a contribuição previdenciária patronal para pagar o que surrupiou dos aposentados.

Só na balança comercial, segundo se anuncia em Brasília, o superávit dos últimos doze meses passa dos trinta bilhões de reais. Sorte de quem negocia em dólares com consumidores de fora e do governo que recebe a sua parte religiosamente. Animado com a performance, o presidente Lula adverte em território africano de língua portuguesa que uma democracia sem desenvolvimento será sempre uma coisa frágil. E que, para haver desenvolvimento, é preciso, antes, haver paz. Paz, entretanto, não significa somente ausência de guerra.

A paz dos números é, também, um tipo de paz necessária. A nação tem o direito de saber exatamente quanto arrecada, quanto gasta e como e onde está gastando o dinheiro que tem. Nos últimos tempos, isso tem sido um pouco difícil. Agora mesmo ficamos sabendo que quase por debaixo dos panos o governo está liberando dinheiro extra aos ministérios. Com o pé no acelerador da gastança, o Planalto não demonstra estar nada preocupado com o rombo que tentou cobrir avançando no bolso dos contribuintes e liberou mais de um bilhão de reais para gastos livres em diversos ministérios. Na própria Previdência, a sobra da contabilidade astutamente administrada seria já de um bilhão e meio de reais. A ser verdade, isso torna ridícula (ou eivada de má-fé) a proposta do governo de pagar os atrasados no curso de oito longos anos.

O relatório de avaliação de receitas e despesas que o Ministério do Planejamento enviou sexta-feira passada ao Congresso informa que a soma de todas as entradas do governo em 2004, incluindo as da Previdência, chegará a R$ 414,3 bilhões. Isso significa quantia superior a oito bilhões de reais a mais que o previsto no começo do ano em curso. Mas se apenas no último bimestre a arrecadação fechou R$ 2,5 bilhões acima do projetado, no segundo semestre a previsão é de um ganho próximo dos cinco bilhões de reais além do que se previa até aqui. Com tanto dinheiro extra em caixa, não se fala, entretanto, em programas ou obras, isto é, na volta desses recursos em forma de benefício à cidadania espoliada. Pelo contrário…

Na segunda-feira que passou, o governo reconheceu, pela primeira vez, que o excesso de arrecadação obtido no primeiro trimestre vai continuar e que, conseqüentemente, a carga tributária também vai continuar crescendo. Sem o peso dos estados e municípios, somente o que é pago ao governo federal chega quase a um quarto (exatos 24,71%) do PIB – Produto Interno Bruto. A elevação da Cofins – Contribuição de Financiamento da Seguridade Social está sendo apontada como a principal engrenagem da nova derrama: representará 4,7% do PIB até o fim do ano.

É bom saber que os cofres da nação estão abarrotados de dinheiro. Isso é mais ou menos equivalente ao orgulho (e à segurança) sentido por empregados que trabalham para patrões muito ricos. Mas também seria bom saber que o governo não tem por objetivo apenas arrecadar mais. Aliás, está na hora de voltar a debate o velho tema da necessária diminuição da carga tributária. Para que se inicie a fase de desenvolvimento sustentado, ou esse espetáculo de longa duração, como gosta de dizer o presidente Lula. Seus ensinamentos em terras africanas são corretos: sem desenvolvimento, não haverá paz, nem paz sem desenvolvimento. Cofres oficiais cheios, no entanto, nunca foram sinônimo de bem-estar. A riqueza do Brasil deve ser a soma da riqueza de todos os que aqui vivem, trabalham e produzem…

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