Cinema, indústria e torcida

A vocação brasileira para torcer, fazer de qualquer evento uma porfia, é espantosa. Esta característica, que se manifesta principalmente no esporte, também chega a outros aspectos da vida nacional, como a cultura. Um exemplo mais recente é a expectativa que se cria com qualquer filme brasileiro indicado para o Oscar, principal prêmio da indústria cinematográfica americana. O filme Cidade de Deus está cotado para uma indicação de melhor filme estrangeiro. Por enquanto só isso. Se conseguir a indicação será algo como uma quinta-de-final a ser decidida em uma noite, em uma só cacetada.

O Oscar tem importância? A pergunta, no caso, não procede. Se tem disputa, há torcida e por isso surge a importância. Não adianta dizer que o preconceito hollywoodiano puniu muitos filmes, atores e diretores talentosos e premiou extensa mediocridade em sua longa história. Isso também aconteceu com o Nobel. Então, à torcida. De qualquer forma, a principal vitória deste filme a academia americana não tira: o público. Este tem sido o grande alvo do cinema nacional. O cinema de um país que conquista público, e um público que se conta em milhões, pode almejar o status de uma indústria. É o que acontece com a Índia.

O cinema, como se sabe, é uma das mais lucrativas indústrias do mundo moderno. E tem a seu favor o fato de disseminar cultura, história, hábitos, moda e divulgar o país, reforçando a indústria do turismo. E o Brasil precisa de indústrias. Cidade de Deus tem qualidade e passou de 3 milhões de espectadores, no Brasil. Para os padrões americanos, que visa o mercado mundial, é pouco. Para os padrões brasileiros, é lucro. O filme se viabiliza e se credencia à exportação. O interessante é que Cidade de Deus não é um caso isolado nos últimos anos. O cinema brasileiro vem esboçando um movimento consistente de produção reconhecida pela crítica e pelo público, no País e no exterior.

Esse movimento se tornou visível com Central do Brasil, de Walter Salles. E é contínuo. O cinema brasileiro ganha a cada dia mais espaço nos festivais internacionais. Só nesses dois primeiros meses do ano o Brasil está presente com mais de 30 produções recentes em quatro festivais internacionais, na Holanda, Alemanha, França e Estados Unidos. Entre eles, de 6 a 16 de fevereiro, o tradicional Festival de Berlim, em sua 53.ª edição. Já para o 23.º American Film Market (AFM), tradicional feira internacional de cinema, foram selecionados três filmes nacionais, entre eles Lost Zweig, de Sylvio Back. Patrocinado pela Associação do Mercado do Filme Americano, que reúne produtores norte-americanos independentes, o 23.º AFM será realizado de 19 a 26 de fevereiro, em Santa Mônica, Los Angeles.

Aos poucos, parece que o velho desejo dos velhos cineastas brasileiros, de conquistar mercado e estabelecer uma indústria, vai se tornando realidade. E de certa forma vai solucionando o problema que esta cultura de massas enfrentou no País, apesar de tentativas esboçadas nos anos 50, com a criação da Vera Cruz, e dos êxitos de crítica seguidos de fracasso de público, com o Cinema Novo.

Edilson Pereira (edilsonpereira@pron.com.br) é editor em O Estado

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