Chuva de ações

Anuncia-se uma chuva de ações contra a Medida Provisória 135, de 30 de outubro último, que prevê o aumento da alíquota da Contribuição de Financiamento da Seguridade Social – Cofins a partir de fevereiro do próximo ano. O aumento da alíquota vai dos atuais já altos 3% para 7,6%, com o alegado consolo de que não mais incidirá em cascata, isto é, em todas as etapas de um processo econômico qualquer. E pensar que, não faz muito, falava-se seriamente em extinção do tributo.

A “chuva” começa com os relâmpagos e trovões dos principais partidos de oposição no Congresso, atravessa cúmulos-nimbos de profissionais liberais, como advogados, engenheiros, arquitetos, comunicólogos e tantos outros, e desanca na borrasca fechada de granizo e vento de poderosas entidades nacionais representativas das classes produtoras, como a Confederação Nacional dos Transportes – CNI. Outras virão, naturalmente.

Sem alarde, para não alvoroçar o Planalto já desorientado, empresas e entidades elegeram o caminho da Justiça para tentar safar-se do pagamento da nova imposição – um absurdo e um abuso contra as esperanças que venceram o medo nas últimas eleições. O impacto da alta do imposto (o nome ?contribuição? é apenas o apelido da cobrança governamental que, assim, dribla normas constitucionais) é considerado catastrófico por alguns setores, como o dos transportes, já considerado como o mais tributado no País, cuja carga supera 50% do faturamento sobre estradas pela hora da morte. Este e outros agentes da nossa complexa economia que dependem da mão-de-obra alheia advertem para o fato de que a gula do governo acabará por levá-lo contra a correnteza da almejada onda de criação de novos empregos – a promessa de ouro do governo Lula sempre adiada.

Tributaristas de renome e juristas idem, consultados, aconselham empresas e entidades de profissionais liberais a entrar preventivamente com processo na Justiça contra a derrama – um simples mandado de segurança, por exemplo -, para ficarem desobrigadas de recolher o imposto a ser calculado pelos novos valores assim que o ano novo começar. Alegações não faltam, e a mais séria delas defende a tese segundo a qual a alteração da alíquota atinge de forma diferente empresas de vários setores. Igualdade ou isonomia é um princípio geral. Essa diferença existe e representa valores significativos, conforme já tivemos oportunidade de comentar neste mesmo espaço.

A questão, a nosso ver, é muito grave, dado o momento em que isso ocorre. Enquanto a tal chuva de ações acabará fatalmente por entulhar ainda mais a máquina já emperrada do Poder Judiciário, nós contribuintes seguiremos pagando a máquina do Legislativo para esse arremedo de reforma tributária que passa ao largo das vontades sempre mais requintadas e gulosas do Executivo.

Em outras palavras, os contribuintes financiam um poder (o Executivo) disposto a arrancar sempre mais em troca de sempre menores e piores serviços oferecidos; financiam também um poder Judiciário que, considerado última instância dos injustiçados, é instado a se pronunciar sobre casos específicos, cobrando também sua específica contribuição através dos nada baratos emolumentos, custas processuais, cartoriais e tudo o mais; e financiam, por fim, o não menos marajá poder Legislativo para, em nome do povo, fazer de conta que sua função seja essa de corrigir as distorções, mas que, ante a inapetência contumaz de seus membros, é atirado às traças e sem reação por uma reles medida provisória que atende aos caprichos do Executivo…

Eis aí o sinal dos tempos. Mas, até quando isso haverá de perdurar? Ninguém ali no Congresso Nacional, já balcão de negócios, já sinecura de interesses individuais sobre os coletivos, seria capaz de levantar a tese da soberania de um poder que existe para representar a vontade do povo? Essa “chuva de ações” pode ser, portanto, o prenúncio da pior das tempestades – a tempestade que arrasa a prerrogativa do Legislativo na hora de legislar. Para que reforma?

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