CDC e bancos, uma vitória do cliente

Uma longa e complicada batalha jurídica entre bancos e consumidores teve seu desfecho na sessão plena do STF dessa semana. E dessa vez o Supremo decidiu em favor dos consumidores. O julgamento em questão envolveu a Ação Direta de Inconstitucionalidade dos Bancos, ajuizada em abril de 2002 pela Confederação Nacional das Instituições Financeiras (Consif), com o objetivo de ter a atividade bancária excluída do rol de aplicação do Código de Defesa do Consumidor. A questão, embora já decidida pelo STJ, que havia editado a Súmula 297 desde setembro de 2004, aguardava um desfecho final, que só aconteceu com a manifestação do STF.

A confederação buscava, por meio da ação proposta, a declaração de inconstitucionalidade do § 2.º, do artigo 3.º do Código de Defesa do Consumidor, o qual conceitua serviço como qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

Para a entidade, deveria ser declarado o fim da aplicação do Código de Defesa do Consumidor em atividades de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária. A ação destacava a necessidade de lei complementar para a criação de novas obrigações impostas aos bancos e ainda questionava se os clientes de instituições financeiras poderiam ser considerados consumidores.

A princípio, houve uma divisão entre os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Para o ministro Carlos Velloso, o Código de Defesa do Consumidor não conflita com as normas que regulam o Sistema Financeiro, de modo que deve ser aplicado às atividades bancárias, até porque a Constituição Federal de 1988 privilegiou o princípio da defesa dos consumidores em vários artigos. Ainda, pelo seu entendimento, apenas a limitação das taxas de juros em operações bancárias a12% (doze por cento) ao ano estaria excluída dessa situação, pois se trata de matéria exclusiva do Sistema Financeiro e deve ser regulada por lei complementar, conforme já decidido pelo STF. Sepúlveda Pertence discordou dessa parte final. Para ele, tal entendimento carece de base positiva, diante da revogação do § 3.º, do artigo 192 da Constituição Federal, pela Emenda 40 de 2003.

De qualquer modo, para Velloso, a Adin deveria ser julgada parcialmente procedente, de maneira que o § 2.º, do artigo 3.º do Código de Defesa do Consumidor fosse interpretado conforme a Constituição. Assim, ficaria excluída da incidência da lei consumerista, a taxa de juros nas operações bancárias ou sua fixação em 12%ao ano.

Para o ministro Néri da Silveira, que antecipou seu voto, a ação seria improcedente, porque, se não há conflito entre o conteúdo do artigo 192 da Constituição Federal, que regula o Sistema Financeiro Nacional e o Código de Defesa do Consumidor, não há que se falar em inconstitucionalidade.

Por sua vez, o ministro Nelson Jobim distinguiu serviços bancários, segundo ele, passíveis de aplicação do Código de Defesa do Consumidor, de operações bancárias, estas reguladas pelo Sistema Financeiro Nacional e, portanto, não sujeitas à aplicação da lei em questão. Classificou sua distinção da seguinte forma. Operações financeiras: não constituem uma relação de consumo, porque são todas aquelas que têm como finalidade o giro de capital. Exemplo: depósitos, financiamentos, taxa de juros e empréstimos são atividades típicas do Sistema Financeiro Nacional e gozam ou causam impacto sobre a economia do País, justamente por integrarem a política monetária, definida, por sua vez, por uma política de governo.

Já os serviços bancários, independentemente de estarem ou não sob a cobrança de tarifas, deveriam ser regidos pelo regime jurídico estabelecido no Código de Defesa do Consumidor. Como exemplo, tem-se a emissão de talões de cheques, consultas em terminais de atendimento, acesso às agências bancárias, tempo de espera nas filas, consulta de saldos e extratos, aquisição de seguros e outros serviços ?corriqueiros?.

Concluiu Jobim que, se a taxa de juros deve estar atrelada à política monetária, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor prejudica a economia e, conseqüentemente, a sociedade, e reduz os níveis de investimentos de forma drástica.

Para Eros Grau, não havia dúvidas de que a relação entre banco e cliente é, nitidamente, uma relação de consumo. Mesmo não acolhendo a distinção realizada por Nelson Jobim, entendeu que o Banco Central deve continuar a exercer o controle e revisão de eventual abusividade, onerosidade excessiva e outras distorções na composição contratual da taxa de juros.

O ministro Joaquim Barbosa, também entende pela improcedência da demanda. Crê não haver inconstitucionalidade a ser pronunciada no § 2.º, do artigo 3.º do Código de Defesa do Consumidor, pois são normas plenamente aplicáveis a todas as relações de consumo, inclusive aos serviços prestados pelas entidades do sistema financeiro. Na mesma linha, seguiram Carlos Ayres Britto e Sepúlveda Pertence, que anteciparam seus votos, após o pedido de vista formulado por Cezar Peluso. Na sessão dessa semana, Peluso optou pela tese da improcedência, sendo acompanhado pelos ministros Ellen Gracie, Marco Aurélio de Mello e Celso de Mello.

O resultado final, 9 votos a 2, pela improcedência da ação, resulta, sem dúvida, numa decisão que protege o objetivo traçado pelo constituinte, quando da elaboração do teor da Carta Magna, consubstanciada na proteção do bem comum da sociedade brasileira. Principalmente, com a sobreposição deste quando confrontado com os interesses das poderosas instituições financeiras, grupo este economicamente dominante.

Já bastou o privilégio concedido aos bancos, quando, pela Emenda Constitucional 40, de 2003, houve a retirada da limitação dos juros reais, os quais, por sua vez, não poderiam ultrapassar a limitação de 12 % (doze por cento) ao ano, sob pena de praticarem crime de usura. A decisão é medida de justiça, de proteção da cidadania e de supremacia do interesse público. Merece aplausos da comunidade jurídica e todos os consumidores.

Daniella Augusto Montagnolli Thomaz é advogada. daniela@trevisioli.com.br

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