CCB de costas para o futuro: é necessário seguir em frente!

O presente esboço se direciona a um dos possíveis exames críticos que surgem da leitura do novo diploma legal posto em vigor ao início deste ano. Esta reflexão expõe sua nascente na idéia da nova codificação civil e deságua nas vicissitudes da vida social brasileira no século XXI.

Afasta-se de um discurso agressivo da incompatibilidade axiológica e da inconstitucionalidade superveniente do novo Código Civil. A abdicação deste caminho, entretanto, não se traduz em uma postura subserviente e apática à nova ordem, mas sim, significa o surgir de novas estradas a uma hermenêutica construtiva e de emancipação social.

As inovações concretas trazidas pelo Código de 2002 se traduzem em poucas já que uma das principais diretrizes da comissão elaboradora era preservar, sempre que possível, o Código de 1916. Constata-se, por conta disso, que é um Código que traz preceitos elaborados em outra época e comprometidos com uma realidade passada. O projeto antecede ao movimento da descodificação – que recoloca a Carta Maior de 1988 como elemento unificador do ordenamento jurídico – e as legislações especiais que possuem, na atualidade, um importante papel no ordenamento jurídico pátrio.

Neste influxo, a centralidade da pessoa humana – enquanto uma das referências cardeais do novo Código, baseia-se apenas no aspecto formal da permuta da expressão “todo homem” por “todo ser humano” para definir pessoa capaz de direitos e deveres jurídicos. Esta, pois, não pode ser compreendida como uma mudança de essência uma vez que não supera a “hominização”, traduzindo para a codificação uma igualdade vincada na diferença.

Neste sentido, nos alerta a doutrina: “O conceitualismo é, vale dizer, outro elemento através do qual se coloca a pessoa humana em segundo plano”. A preocupação prática do novo Código com os conceitos explicitados em sua parte geral preconiza o tecnicismo ao invés de levar em consideração a prevalência da dignidade da pessoa humana, como bem faz a Constituição Federal.

Assim, a plenitude dos direitos fundamentais só terá valor quando a afirmação destes direitos não se restringir à mera afirmação filosófica, mas sim, a asseveração prática dos mesmos, diminuindo o fosso abissal entre a práxis e a teoria.

Destarte, não podemos nos olvidar que vivemos em um país marcado por grandes desigualdades materiais e concretas que enterram qualquer diploma legal impróprio, anacrônico e irreal como é o caso do novo Código. Deste modo, a codificação se tornaria de compreensão e apreensão comum quando realmente comprometida com a defesa dos interesses coletivos e democráticos da sociedade.

Sobre a incorporação do Direito Comercial ao Código Civil de 2002, e a nova racionalidade imposta pelo novo Código, o Professor Gustavo Tepedino manifesta-se a partir da visualização possível da Constitucionalização do Direito Privado Brasileiro: “(…) Os quatro personagens do Código Civil – o marido, o proprietário, o contratante e o testador -, que exauriam as atenções (sociais) do codificador, renascem, redivivos, com o projeto, agora em companhia de mais um quinto personagem: o empresário”

Sendo assim, a latente inovação legislativa – tão preconizada pelos defensores do novo Código – acaba por manter a bagagem teórica oferecida pelo Código anterior, preconizando a racionalidade patrimonial em detrimento daquela voltada à pessoa humana. Exemplo disso é a incorporação do direito da empresa ao diploma, o qual não está aí para afirmar a centralidade da pessoa humana e a sua dignidade, mas sim, a sobreposição do patrimônio.

Além disso, mantendo a tradição da inclusão da parte geral, o presente diploma legal afoga-se em um rio de distorções, abstrações e tecnicismo ao introduzir valores comprometidos com a realidade do regime ditatorial em que o Código foi concebido e nutrido, no qual a democracia e a dignidade humana eram apenas palavras ao vento.

Neste sentido enfatiza Savigny: “Numa época de declínio da cultura jurídica, enfim, a codificação é danosa, porque cristaliza e perpetua o direito já decadente…”

O que necessita o direito contemporâneo é unidade política e ideológica forte, que priorize, nas ações práticas – e não apenas nos discursos teóricos – os valores do ordenamento constitucional que tem, por fim último, a solidariedade e a justiça social. Desta maneira, ensina o Professor Eroulths Cortiano Junior: “A Constituição passa a constituir-se como centro de integração do sistema jurídico de direito privado”.

Entretanto, em uma atitude equivocada e apressada – apesar dos quase trinta anos de trâmite no Congresso Nacional – o Poder Legislativo, sob o falso pretenso da necessidade de mudanças já não tão essenciais, pois, coroadas por nossa doutrina e jurisprudência, nos fez “engolir o projeto, garganta abaixo, sem a necessária discussão quanto à sua conveniência e necessidade, bem ao estilo dos anos sombrios e autoritários em que foi originariamente redigido”

Agora, cabe a nós o exercício concreto de nossas funções para a construção de uma hermenêutica criativa e transformadora que seja a força propulsora da mudança social e da garantia da supremacia dos valores constitucionais e da sua efetivação prática.

Subscrevemos, por isso, a lição necessária para seguir em frente: “Tal é o desafio metodológico imposto ao intérprete (…). Há que se ler atentamente o Código Civil de 2002 na perspectiva civil-constitucional, para se atribuir (…) a todo corpo codificado um significado coerente com a tábua de valores do ordenamento que pretende transformar efetivamente a realidade a partir das relações jurídicas privadas, segundo os ditames da solidariedade e da justiça social”

Melina Girardi Fachin e Thiago Lima Breus

são acadêmicos do 3.º e 5.º anos na Faculdade de Direito da UFPR.

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