Cavalo ou cara-de-pau?

O preço do gás de cozinha pode baixar antes que a taxa dos juros. Esta é a conclusão a que se chega no ato de acompanhar diariamente os sinais oficiais (e aqueles acidentais) emitidos por Brasília e adjacências. Nem mesmo o incidente envolvendo as confidências do ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, deverá demover os integrantes da equipe econômica do governo Lula na sua estratégia de juros altos. Um Banco Central frouxo não leva a crescimento econômico algum, repete o presidente da instituição, Henrique Meirelles. E ponto final. A armadilha fiscal em que nos situamos – do tipo se correr o bicho pega, se ficar o bicho come – exige que a inflação baixe primeiro. Daí a importância do preço do gás na estratégia palaciana…

Que ninguém se escandalize – além dele próprio – com o susto de José Dirceu. Ele engoliu em seco, bebeu água, tartamudeou e até empalideceu. Mas manteve a linha aparente ao ser pilhado dizendo para o grande público coisas que havia reservado para militantes reunidos entre quatro paredes. “Não vamos dourar a pílula”, confessou ele: um governo que persegue o superávit primário de 4,25% e mantém os juros em 26,5% está desestimulando e segurando a atividade econômica. Sem dúvida alguma. Quem duvidar, que pergunte a ministros como o das Cidades ou dos Transportes. Ou aos empresários, eleitores e ao povo em geral.

Confissão já feita, avisaram-lhe num bilhetinho tardivo que tudo o que falava ao microfone estava sendo transmitido para um telão externo, onde a imprensa (que no dia anterior tentou em vão ouvir dele impressões do gênero) acompanhava o discurso. Além do telão, Dirceu não fora avisado que a transmissão também era feita diretamente para o site do partido na internet. “Já vivi situações mais adversas que esta”, suspirou o ministro, sem esconder o desconforto da surpresa.

Seria de perguntar: se soubesse que estava “no ar”, Dirceu não teria dito o que disse? Provavelmente não. E a verdade aparente seria outra. Tanto que o ministro, além das justificativas que se sucederam, baixou o tom depois do alerta. Ficamos assim sabendo que nem tudo o que é dito à militância é também transmitido aos demais cidadãos sem carteirinha do partido.

Também ficamos sabendo que mais pessoas, além do vice-presidente José Alencar, têm consciência de quanto mal se pratica no Brasil das esperanças com a manutenção das altas taxas dos juros. Em socorro a Dirceu, outros vieram a público para dizer que todos, na verdade, são contra a usura praticada. Mas ela precisa ser mantida por uma questão estratégica. O problema está em explicar para o grande público que estratégia é esta e a quem ela serve se bloqueia o crescimento, frustra a oferta de empregos, freia o desenvolvimento.

Além dessas explicações, seria interessante o ministro José Dirceu explicar melhor o significado de outra afirmação que pensou estar fazendo para um público restrito, de estrela no peito: “Não demos um cavalo-de-pau no País, mas nós demos um cavalo-de-pau na economia”. O grande público, também surpreendido pelo improvisado discurso, gostaria de saber se o Brasil e a economia brasileira não significam a mesma coisa. E se provocar cavalo-de-pau na economia brasileira não é o mesmo que fazê-lo contra o País.

Assim sendo, esse cavalo-de-pau praticado não contraria todas as promessas de palanque? E promessa contrariada não é o mesmo que traição? Então, em vez de cavalo-de-pau, não cairia melhor o termo cara-de-pau? Que baixem logo o preço do gás de cozinha!

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