Casuísmo explícito

Estava praticamente na cara que o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, seria chamado às falas para se explicar das acusações de sonegação fiscal e remessa ilegal de dinheiro ao exterior que pesam contra ele. Para evitar – ou, pelo menos, dificultar – isso, o presidente Lula editou medida provisória publicada em edição extraordinária do Diário Oficial da União, conferindo ao suspeito o status de ministro da República. Assim, Meirelles adquire foro privilegiado, isto é, só pode ser processado no Supremo Tribunal Federal, por ação proposta pelo procurador-geral da República, que é indicado pelo presidente da República.

Foi uma medida acertada, disseram os áulicos. Afinal, Meirelles ocupa cargo importante e uma eventual investigação em sua vida poderia prejudicar a estabilidade econômica de toda a nação brasileira. Com ela concordou também o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, a quem o neoministro continua subordinado constitucionalmente. Antes de mais nada, então, teríamos que resolver este caso esquisito em que um ministro é subordinado a outro. Até para evitar algo assim como a reedição da piadinha que grassa alhures: “Minha excelência é maior que a sua, portanto…”.

Dentre as justificativas para o ato de casuísmo explícito, figura a que coloca o próprio Meirelles na condição de pedinte: ele teria sugerido ou pedido ao presidente para, assim fortalecido, rir de seus – segundo diz – detratores ou denunciadores. Ou pegaria o boné e iria embora. O comportamento presidencial abre um precedente segundo o qual sempre que tiver algum colaborador envolvido com coisa que não presta, em vez de esclarecer, investigar e explicar, promove-se o sujeito ou se lhe dá imunidades.

A existência de um foro privilegiado para autoridades de qualquer calibre já é, por si, algo muito discutível. Em busca dessa couraça que o cidadão comum não possui, tivemos casos de bandidos de grosso calibre ocupando mandatos no Congresso Nacional. Mas a rapidez e o momento em que se recorre a esse foro especial como tábua de salvação para quem já tinha denúncia conhecida e não explicada dá bem a medida da importância que o governo que aí está confere a questões de natureza ética. Aliás, um lado da medalha que já conhecíamos desde o episódio, ainda insepulto, do Waldogate, que feriu de morte a reputação de José Dirceu, o até então mais importante ministro desse governo.

Interessante é observar que a blindagem de Meirelles acontece exatamente em meio à explosão de outra megaoperação da Polícia Federal – a Farol da Colina – que enjaulou dezenas de pessoas envolvidas com remessa de dólares, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e coisas do gênero que incomodam Meirelles. Ninguém pretende colocar gratuitamente o presidente do BC junto com essa cambada, mas a coincidência pegou mal… Tanto que a oposição agora coloca a questão em confronto definitivo: promovido, não, demitido. Este, para aqueles, deve ser o fim de Meirelles.

Para o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, um outro aspecto dessa burlesca atitude presidencial precisa ser considerado: o uso de medida provisória para a inusitada promoção é um abuso e um absurdo. A matéria não era nem urgente (a não ser sob o aspecto meramente político), nem relevante. O fortalecimento do Banco Central é tema que está em debate desde o governo passado. Transformar seu presidente em ministro não resolve o problema.

Temos que o tiro pode sair pela culatra. Isto é, que em vez de sair fortalecido, Meirelles se complique ainda mais. A couraça confere maior peso à denúncia não apurada. O correto seria o homem público sair fortalecido pela elucidação do fato. O presidente Lula, entretanto, escolheu outro caminho. Um caminho que talvez tenha aprendido no Gabão, onde diz ter ido para aprender como um presidente consegue ficar 37 anos no poder e ainda se candidatar à reeleição…

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