Caso Roberta Jamilly: prova válida

O princípio da dignidade humana assim como da privacidade e intimidade impedem que o corpo humano seja invadido para o efeito de se colher provas. A regra geral, nesse âmbito, é a da concordância do sujeito (STF, HC 71.371-RS, Marco Aurélio). Considere-se, ademais, que ninguém está obrigado a emprestar seu corpo ou parte dele para o efeito de se produzir prova. Ninguém é obrigado a autoincriminar-se. Desse regra é que decorre o direito de o suspeito não fornecer material gráfico para exame grafotécnico, de não comparecer à reconstituição do crime etc.

No caso de Roberta Jamilly deu-se o seguinte: o delegado de polícia (em Goiânia) apreendeu os restos de cigarros que ela fumara (durante depoimento policial) e os enviou para exame de DNA (neles havia saliva de Roberta, que se recusou a submeter ao exame). Desse modo conseguiu-se provar que ela não é filha de Vilma. A prova é válida? Sim.

Por quê? Porque a saliva já se encontrava fora do corpo humano. Quando qualquer parte do corpo humano separa-se dele, nada impede que se proceda à perícia. O caso Roberta assemelha-se ao fato de a polícia achar num local de crime um fio de cabelo, esperma, catarro, sangue, impressão digital etc. Tudo que é encontrado no local do crime pode ser periciado (ainda que sejam partes de uma pessoa humana).

No caso Glória Trevi (cantora mexicana) ocorreu algo parecido com o de Roberta: foi deferida a realização de DNA pelo STF (Plenário, RCL 2.040-DF, Néri da Silveira, j. 21.02.02, Informativo STF 257, de 27.02.02, p. 2) “com a utilização do material biológico da placenta retirada da extraditanda… Fazendo a ponderação dos valores constitucionais contrapostos, quais sejam, o direito à intimidade e à vida privada da extraditanda, e o direito à honra e à imagem dos servidores e da Polícia Federal como instituição (…), o Tribunal afirmou a prevalência do esclarecimento da verdade quanto à participação dos policiais federais na alegada violência sexual, levando em conta, ainda, que o exame de DNA acontecerá sem invasão da integridade física da extraditanda ou de seu filho”.

No caso de Roberta, nem sequer do ponto de vista moral a prova pode ser contestada. Note-se que ela não foi ardilosamente induzida a fumar. De uma conduta sua espontânea foi possível colher material para prova. Considere-se, ademais, que ela achava-se em local público (não em sua residência). Nada de censurável houve, portanto.

Luiz Flávio Gomes

(falecom@luizflaviogomes.com.br)  – doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri, mestre em Direito Penal pela USP, co-fundador e 1.º presidente do IBCCRIM e diretor-presidente da TV Educativa IELF (cursos ao vivo em SP com transmissão via satélite em tempo real para todo o País –
www.ielf.com.br).

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