Caso Encol (II)

Recentemente, comentamos sentença que reconheceu a responsabilidade solidária de banco financiador da construção de imóveis com a Encol, face sua falência. Neste trabalho, procuramos detalhar os fundamentos e conseqüências desta decisão.

Sente-se que neste julgado a dificuldade maior parece ter sido para reconhecer também a responsabilidade do agente financeiro pelo inadimplemento do contrato firmado entre construtora e adquirente do imóvel, levado a efeito por aquela, centrada no estatuto da hipoteca, face suas características de proteção ao credor hipotecário.

Neste particular andou muito bem o magistrado Joscelito Giovani Cé, que, com fundamentos irrefutáveis, desconstituiu este privilégio.

A base principal para esta conclusão está fincada no Código de Defesa do Consumidor e na atuação negligente do agente financeiro em fiscalizar a obra por ele financiada, cuja obrigação era contratual.

O julgado considerou acertadamente o adquirente na condição de parte mais fraca do contrato, a tanto que, diferentemente do banco, não tinha condições de acompanhar o cronograma da obra, avaliar a condição financeira da construtora.

Já em relação a instituição financeira, restou assentado que esta foi omissa e negligente no poder/dever de fiscalizar e acompanhar as vendas e pagamentos feitos pelos adquirentes e o cronograma físico-financeiro do empreendimento.

Estes foram os principais fundamentos para desconstituição da hipoteca.

Não resta dúvida que a sentença trilhou o melhor caminho de justiça, que foi reconhecer a solidariedade do banco com a Encol, pois, não é possível que um contrato não possa ser desconstituído quando há irregularidade no seu cumprimento.

No presente caso, restaram feridos, além de princípios do direito contratual, também regras contratuais. Ou seja, o agente financeiro foi omisso na obrigação, inclusive contratual, que assumiu para fiscalizar a obra, tanto no seu cronograma físico-financeiro, quanto em relação às vendas e respectivos recebimentos pela construtora. Assim, não podia eximir-se de responsabilidade porque obrou com culpa, e também não cumpriu aquilo que foi pactuado no contrato.

É certo que o estatuto da hipoteca é uma garantia. Entretanto, não podemos tê-la como absoluta e inatingível, aplicando-se a ela todos os princípios que regem os contratos em geral, naquilo que não for incompatível. Desta forma, havendo dolo ou culpa relacionada com a hipoteca ela poderá ser desconstituída.

Por estes e outros fundamentos, a ação foi julgada procedente, condenando a Encol a transferir ao autor o imóvel, por escritura pública e livre de qualquer ônus, além de determinar ao agente financeiro que desonere o imóvel da hipoteca e outros encargos.

O banco e a Encol também foram condenados, solidariamente, ao pagamento de perdas e danos no equivalente a R$ 300,00 (trezentos reais) ao mês no período de 30/03/97 a 30/01/99, corrigidos monetariamente desde o último dia de cada mês, a título de aluguéis pela não entrega do apartamento na época avençada. Isto porque foi esse o valor desembolsado pelo autor na época em que ficou impossibilitado de residir no imóvel em questão.

Também foram condenados, solidariamente, à restituição dos valores representados em dez cheques emitidos pelo autor (seis no valor individual de R$ 1.011,50 e quatro no valor de 1.148,65) referentes ao pagamento de montantes para conclusão das obras.

Por fim, houve a condenação ao pagamento de danos morais, no equivalente a 100 (cem) salários mínimos, uma vez que as testemunhas inquiridas deixaram estreme de dúvida os dissabores de ordem moral sofridos pelo autor, que teve de adiar seu casamento e morar por certo período em local não desejado em início de sua vida conjugal.

Esta sentença cuida-se de um marco para as discussões judiciais, tanto relacionadas com o caso Encol, quanto a outras envolvendo garantia hipotecária, ficando bastante claro que a hipoteca por si só não pode prevalecer sobre outros direitos atingidos na relação contratual.

Vicente Paula Santos

é advogado de empresas em Curitiba/PR, membro do Instituto dos Advogados do Paraná

( vps@ juridicoempresarial.com.br e www. juridicoempresarial.com.br ).

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