Casa própria

O Partido dos Trabalhadores está em campanha pela casa própria. Casa própria do PT, é claro. E ao contrário da maioria, que faz isso silenciosamente e com as dificuldades de sempre, o partido, ao contrário, faz alarido. Anunciou nos jornais, na internet e, entre outras iniciativas, acaba de promover um show em Brasília com ingresso pago a preço de ouro: R$ 250,00 por cabeça. Tanta publicidade em torno do assunto autoriza que o assunto produza naturais desdobramentos com caráter de notícia. Uma delas: o próprio presidente Lula está sendo envolvido no projeto. Será convidado a doar o correspondente a um salário seu, coisa em torno de oito mil reais.

Onde, dentro da megalópole São Paulo, vai ser a sede nacional do mais rico partido brasileiro da atualidade, ninguém sabe ainda. Este é um dos segredos do negócio. A militância, entretanto, está intimada a contribuir além do que já paga – um percentual que chega a 20% do salário. No PT, o conceito é que o emprego conseguido, principalmente se no serviço público ou assemelhado, ao partido pertence e a ele deve ser devolvido. Logo, o pedágio é lícito e justo. Assim, quanto mais empregos forem assumidos, maior arrecadação estará garantida. Para a sede nacional, entretanto, o tesoureiro Delúbio Soares pretende ir mais longe. Além do salário de Lula, quer um salário de cada deputado, senador, ministro, cada diretor, cada superintendente ou detentor de cargo melhor comissionado. “Já está mais do que na hora de realizarmos o antigo sonho de ter a nossa casa própria, uma sede que seja só nossa.”

A direção do PT sabe que se não aproveitar a atual maré – em cuja corrente se engajam facilmente admiradores e toda sorte de interessados, uns “desinteressadamente”, outros motivados – depois, já tarde, de nada adiantará chorar sobre o leite derramado.

Ninguém duvida que, com a experiência que tem em mutirões (ou, como dizem, “vaquinhas”), o partido da estrela vá conseguir seu objetivo – uma casa própria para ninguém colocar defeitos, à altura do orgulho de sindicalistas que lograram vôos mais altos e chegaram à Presidência da República pela via do voto limpo e secreto.

Artistas, intelectuais, empresários, militantes de primeira hora e adesistas de ocasião – todos serão envolvidos no projeto, que não dispensará nenhuma estratégia que renda envolvimento e, acima de tudo, dinheiro: dos bailões aos leilões de obras de arte. Ou de algum “surraxco” dominical depois da missa, no povoado. A casa própria do PT, pelo que se promete, será digna do nome. Tijolo por tijolo, orgulho de todo militante participativo, como ainda é motivo de orgulho o primeiro diretório-sede erguido (e ainda inacabado) em São Bernardo do Campo, com os braços e bolsos de mais de 500 históricos militantes, Lula entre eles.

Cada partido se organiza como quer. Ou como pode. Exceto eventuais empurrões da máquina administrativa (assunto já devidamente policiado inclusive nas ações do Banco do Brasil), ninguém tem nada com isso. O que seria de perguntar, e com toda a séria propriedade, é por que o PT, agora no poder, não usa o mesmo engenho, o mesmo afinco e semelhante marketing para o projeto maior e mais esperado de casa própria – a casa própria dos brasileiros sem habitação?

O déficit habitacional no País nunca esteve tão alto. Os seis milhões de unidades aqui e acolá propalados nos discursos oficiais não correspondem à realidade, que é bem mais terrível em todos os arrabaldes de nossas vilas e de todas cidades. E mais que o PT, com certeza as famílias e pessoas desabrigadas sonham com a casa própria, já não tão grande, já nem tão luxuosa. E pensar que o direito à moradia é um dos direitos básicos, assim como o direito ao emprego, à saúde, à escola e à alimentação. Que tal um mutirão do PT-governo, não necessariamente para construir, mas para propiciar condições a que cada cidadão realize o sonho da casa própria?

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