Caos e civismo

Poucas vezes me senti tão enojado, e creio que o mesmo sentimento foi compartilhado por todos os brasileiros de bem que assistiram a reportagem do Fantástico de domingo passado, que exibiu o vergonhoso estado de abandono, sujeira, desprezo pela vida e incúria administrativa em que se encontra o Hospital Albert Schweitzer, no Rio de Janeiro. Trata-se de um hospital público destinado a atender pacientes do SUS, portanto, com recursos da Previdência Social, mas que face a uma situação caótica sem precedentes trata seres humanos como se fossem lixo.

Não se revelou, ou não anotei, se o hospital está afeto à área federal, estadual ou municipal. Aliás, esse detalhe é irrelevante frente ao descalabro quase total que lá se verifica, não fosse pela atuação heróica dos médicos, enfermeiros e funcionários que se debatem com condições absolutamente inconcebíveis num local dedicado à prestação de serviços de saúde que, como tal, deveria primar pela higiene, disponibilidade de leitos, remédios, salas de cirurgia e atendimento humanitário. Não é o que se observa no citado hospital.

Em primeiro lugar o que deveria ser feito é tirar imediatamente o nome do grande médico e missionário cristão Albert Schweitzer da instituição pública, pois o que lá está ocorrendo é uma afronta à memória e ao trabalho de profundo cunho humanista e social que o ilustre alemão prestou a humildes africanos na sua clínica de Lambaréne. Não apenas se ofende a memória de um vulto reverenciado por todos, não importa qual seja a crença e a ideologia, como também se enxovalha o exemplo de um benfeitor de pobres homens e mulheres que além da pobreza, eram também atingidos por toda sorte de enfermidades.

Ao escrever esse desabafo, com toda a indignação que é possível num caso como esse, não sei se alguma providência foi tomada pela esfera de poder competente. Na verdade, imagino que esse é um assunto que deveria ter desencadeado uma ação fulminante das autoridades ligadas à saúde, independente se da união, estado ou município. Não li em nenhum jornal e nem ouvi nos noticiários de televisão ou rádio, que as espantosas cenas registradas no Albert Schweitzer tivessem sensibilizado as doutas autoridades, e demandado delas a tomada de providências corretivas.

A bem da verdade, como muitos outros país afora, devo dizer que o hospital em questão é um caso perdido. Mesmo não tendo qualquer intimidade com a área médico-hospitalar, a julgar pelo estado de decadência a que chegou a própria dependência material em que aparentemente nada mais funciona, o referido hospital deveria ser lacrado após as denúncias pelo altíssimo risco que representa para a saúde pública.

Obviamente, determinação dessa natureza e impacto precisaria ser acompanhada pela conseqüente indicação de outra unidade de atendimento tanto de emergências, quanto das demais doenças portadas por aquela gente desamparada que o procura. Como exigir providência tão desafiante das autoridades brasileiras significa forçar a barra além da conta, que se lixem os contribuintes que não podem pagar um plano de saúde para si e seus dependentes.

Sesquicentenário

No dia 19 de dezembro próximo, a exatamente um mês e nove dias, o Paraná estará completando 150 anos de emancipação política. É uma data para ser comemorada com toda a pompa e circunstância!

Não é, porém, o que se percebe, a julgar pela absoluta ausência de informações sobre o que está sendo preparado para marcar condignamente a importância histórica, política e social do evento.

Quando ainda no exercício do governo, Jaime Lerner nomeou uma comissão para organizar as comemorações confiando a presidência da mesma à sra. Flora Munhoz da Rocha. Até agora pouco foi divulgado sobre as atividades da respectiva comissão, de resto, integrada por paranaenses ilustres e de grande cultura, que, certamente reúnem todas as condições para elencar uma série de atos comemorativos à oficialização da existência da Província do Paraná, até então conhecida como quinta comarca de São Paulo.

Com objetivo um tanto diferente, mas com a mesma incumbência de tornar a data um momento inesquecível na vida dos paranaenses, a Assembléia nomeou sua própria comissão, entregando a gestão das atividades ao deputado Rafael Greca. Justa homenagem ao retumbante sucesso das comemorações dos 500 anos da descoberta do Brasil, por ele presididas. Lamento, mas pouco também se noticiou a respeito dos trabalhos até aqui desenvolvidos pela comissão instituída pelo poder legislativo. Ou a culpa é da imprensa que não cobre esses fatos tão importantes? Portanto, diante da escassez de informações quentes, até agora o povo paranaense não sabe bem quais serão os eventos que deverão assinalar o transcurso do sesquicentenário de sua emancipação política.

De minha parte (como sou pouco exigente) estaria de bom tamanho, além das indefectíveis sessões solenes das câmaras, academias, sodalícios, sociedades culturais e folclóricas, clubes de oratória e afins, ao menos, um concerto da orquestra sinfônica de Chicago, regida pelo maestro Daniel Barenboim, em que uma das obras em programa deverá ser, obrigatoriamente, a sinfonia n.º 4 de Brahms.

Acho que não faria feio uma partida de futebol envolvendo o Real Madrid (pode ser o segundo time) e um combinado do Paraná (do meu amigo José Zockner e mais 17 torcedores segundo as más línguas), Coritiba e Atlético. Explico agora o lance do segundo time, pois se os caras bobeiam, é bem capaz de enfiarmos uma goleada! Detalhe: o jogo deverá ser narrado pelo Airton Cordeiro com comentários do Marcus Aurélio de Castro, e reportagens do Augusto Mafuz. No apito, Célio Silva. Tudo bem, alguém poderá argumentar que teremos jogo da seleção brasileira aqui domingo que vem, contra o Uruguai. E que a rapaziada que compõe nossa legião estrangeira na maioria dos times europeus, devidamente convocada pelo Parreira, é prato mais suculento que a academia madrilenha.

Quero um pouco mais. Por exemplo, que a Imprensa Oficial publique uma série de biografias dos mais heróicos paranaenses que aqui viveram, lutaram e venceram (ufa!) nesses 150 anos tão céleres. Ainda nesse campo, obras de cunho histórico descortinando para as novíssimas gerações episódios épicos como a guerra do Contestado, a ocupação das regiões Sudoeste, Oeste e Norte, a saga do café e, por que não?, a guerra do pente. Bom, reconheço que os críticos dessa súbita recaída literária têm razão pois, afinal, sou amigo (e admirador) de um monte de escritores desempregados que não perdem o péssimo hábito de pedir algum tão logo se deparam comigo. E, olha, que não me canso de repetir que essa coisa de mecenato é com o estado do bem-estar social, como esse que começou aqui no dia 1.º de janeiro.

Que se promovam concursos para escolher a mais bela paranaense, o estudante mais aplicado, a melhor monografia sobre o Paraná dos próximos 150 anos, com direito a prêmio de R$ 150 mil, uma volta ciclística pelo tal anel de integração com as catracas do pedágio liberadas e, concluindo, a reconstituição da jornada empreendida pelo espanhol Cabeça de Vaca até Foz do Iguaçu, o primeiro branco civilizado a meter a cara (e os pés) no território mais tarde tomado na marra dos caingangues e botocudos. Na falta de interessados para esse evento emblemático, poderiam se inscrever os deputados e secretários de estado, especialmente os que gostam de acordar cedo.

Ivan Schmidt

é jornalista e escritor.

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