Cama de faquir

Alguns dos auxiliares do presidente Lula constroem uma cama de faquir, com pregos pontiagudos, para o chefe da nação. Lula, diante de tantos e tão vastos problemas que precisa resolver, mostra-se bom político, mantendo com adversários, simpatizantes, colaboradores, e mesmo inimigos, um diálogo aberto, sincero, em busca de compreensão. Pode errar, mas pelo menos tenta acertar. Em compensação, há um Berzoini, ministro da Previdência, anunciando paredão para o funcionalismo antes de explicar-lhe o que pretende fazer, os eventuais prejuízos de momento e as vantagens futuras. O faz de bode expiatório, plantando cascas de banana para o presidente. Outros há que, dentro de uma visão de luta de classes, falam em providências que mais parecem castigos que soluções acordes com os interesses nacionais. Mais pregos na cama de Lula.

O caso da fixação do salário mínimo é um bom exemplo. Todos os dias um governista abre a boca para descontentar milhões de trabalhadores, fazendo-os pensar que o governo passado, que consignou no orçamento um reajuste de apenas 11%, foi na verdade um bondoso pai, em comparação com os óbices para uma majoração decente que hoje são anunciados. São os funcionários públicos, sejam da União, dos estados ou municípios, que estão mais temerosos, pois quase tudo o que se cogita ou anuncia parece tender a uma redução de seus direitos e benefícios, seja em nome de uma duvidosa igualdade com os massacrados trabalhadores da iniciativa privada, seja porque custam demais para o sistema previdenciário e para o poder público.

Pois não param de pisar no funcionalismo, como se este, politicamente, não tivesse nenhuma importância e fosse incapaz, como classe, de protestar e até criar empecilhos de difícil equacionamento.

A última é do ministro do Planejamento, Guido Mantega, que anunciou para os servidores públicos um reajuste de vencimentos de apenas 2,5%, já previsto no orçamento, descontadas as parcelas já concedidas no ano passado. O aumento linear que estava sendo previsto era de 4% e a reivindicação da categoria é de nada menos que 46,95%, calculados sobre as perdas salariais nos períodos em que houve congelamento de ganhos. Mais pregos na cama de Lula, que trabalha como bombeiro, apagando fogo aqui e ali, explicando e negociando, enquanto seus auxiliares provocam mais chamas, até parece que com prazer sádico. Não havia melhor hora para o ministro Mantega ficar quieto ou pelo menos procurar desenvolver uma atitude política, liderado pelo presidente da República que, sem dúvida, é bem melhor nisso do que ele?

O funcionalismo público está em pé de guerra e já tem até indicativo de greve. Diante das infelizes declarações do ministro do Planejamento, feitas fora de hora e aparentemente para chocar o funcionalismo, a cama de faquir para Lula parece pronta. E já não faltam os que, não sendo servidores, estão dispostos a pôr lenha na fogueira. Os sindicalistas ligados ao PSTU e à esquerda do Partido dos Trabalhadores não descartam uma greve caso o governo não atenda às reivindicações dos servidores. Eles, que pedem 46,95% de reajuste de vencimentos, recebem do ministro do Planejamento a notícia de que terão 2,5%. Mesmo que seja este último o único percentual possível, a diferença é chocante e seu anúncio, agora, uma extemporânea provocação.

Voltar ao topo