Calma, companheiros!

O governo mal começou a governar e já deu briga sobre como fazer melhor velhas coisas. O Fome Zero foi apenas lançado e tem gente dando mais importância aos furos que à concepção da idéia. O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social mal foi anunciado, nem se reuniu ainda, e já é esquadrinhado pelos que temem a prevalência de corporações sobre outras, de empresários sobre sindicalistas, de correntes sobre concorrentes e coisas do gênero. Calma, companheiros! É preciso entender que “estamos chegando ao governo e que temos tudo para fazer um grande governo”, que “as mudanças ocorrerão, mas de forma progressiva”, que “fomos oposição durante um longo período, mas agora somos governo e temos só 30 dias de governo”.

O presidente Lula não falou, mas mandou dizer. Está preocupado com a falta de paciência de um punhado de gente, boa até prova em contrário, velhos militantes e novos colaboradores, muitos deles cheios de razão, outros transbordantes de insatisfação. “Antes de punir – adverte um deputado do “centro moderado” – é preciso ouvir e debater”. Como nos velhos tempos, madrugada afora. Mas o PT que se descobre é mais retaliado que se imaginava. Além das correntes conhecidas e do centro moderado tem a esquerda eriçada, os radicais açulados, arrependidos e ponderados, adesistas, negocistas e inveterados cumpridores de assembléias. Afinal, se há compromisso de não quebrar contratos, não pode o presidente fundador esquecer que o partido é, também, um contrato – o primeiro e mais antigo. E deliberação democrática – não aquela assumida no calor da campanha em função de conveniências momentâneas – é para ser cumprida.

Os exegetas do novo governo justificam as desavenças no seio do partido, assim como no conselho da fome e na própria equipe de ministros, como uma coisa natural, salutar até. Vejamos agora se a desculpa é a mesma para o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – essa espécie de novo parlamento instituído por Lula para a peneirada inicial nos projetos e reformas que pretende implementar – cuja instalação será dia 13 e a primeira reunião está convocada para o dia 25. A primeira crítica aponta para o fato de que seus 83 membros, embora provenientes de setores diversos, não representam a sociedade e, sim, as forças que apoiaram Lula, com leve prevalência de empresários e industriais sobre sindicalistas. Até um prelado da Igreja Católica – dom Tomás Balduíno -, conhecido por suas posições, levantou o dedo e a voz: “Tentarei gritar mais alto para compensar esse desequilíbrio”.

Ora, se cada um tentar elevar a voz para as compensações que julga necessárias, ficaremos surdos de tanto barulho, inclusive porque fora do órgão consultivo pululam outras representações não lembradas. E o conselhão de Lula, nomeado por decreto, pode perder a graça, mesmo porque já é visto por muitos como um desprestígio ao Congresso Nacional – este sim, legitimado pelas urnas num procedimento secreto e universal de escolha. Se nem sua composição é reconhecida como correta, que se dirá sobre suas deliberações, assim que começar a analisar propostas de mudança para valer nos conflitos entre capital e trabalho, nos interesses da reforma fiscal e tributária, nos direitos previdenciários e outros do gênero. A menos que seja uma mera tática de Lula, o negociador, o pedido de calma terá que ser repetido muitas vezes e, já se pode até imaginar, sem muito resultado. Afinal, mudar “o que aí está”, além de calma, exige vontade e não apenas política.

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