Cabeça afinada

A se julgar pelo que diz frei Beto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está coberto de razão ao se cobrir com o boné do Movimento dos Sem-Terra. “O presidente tem uma cabeça afinada com as aspirações sociais do MST – diz o assessor especial da Presidência e conselheiro pessoal de Lula – que é a realização da reforma agrária neste País.” O que espanta o religioso chamado Carlos Alberto Libânio Christo é que ninguém pergunta como é que ele está vendo “esses ruralistas, exibindo armas, AR-5, homens encapuzados. Só falam do MST, como se esses bandidos financiados pelo latifúndio fossem uma coisa natural”.

Natural, não é. Está claro! Mas invadam o bolso do frei para ver se ele gosta. Assim como também seu assessorado especial não deve ter gostado nada de, dias atrás e por alguns momentos apenas, ter seus filhos sob a mira de uma arma de bandidos que só queriam, digamos, “participação” nos lucros de uma atividade que desconhecem – o trabalho digno e honrado. Mas frei Beto vai além, e diz que “o fluxo de diálogo” entre o MST e o governo sempre foi excelente. O encontro manifestou apenas algo que no dia-a-dia já vinha acontecendo, pois os dois – governo e MST – estão interessados na mesma questão, que é o desafio histórico de “realizar neste País a segunda reforma agrária” (a primeira, para ele, foi a das capitanias hereditárias).

A visão do religioso conselheiro de velhas caminhadas destoa da visão de muitos dos integrantes do primeiro escalão do governo que, dada a gravidade dos últimos acontecimentos no campo, passaram a usar um tom mais moderador e, em alguns casos, a defender a ordem e a lei, com o respeito absoluto à propriedade alheia. O ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, por exemplo, defende o direito dos bandidos, perdão, dos proprietários protegerem suas terras. Moderados e incendiários travam, nos porões do poder e nos debates Brasil afora, uma surda batalha. O boné de Lula é apenas o pivô de um confronto que não houve nas eleições, mas era perfeitamente previsível. Convém, entretanto, que não passe do debate, mesmo que tardiamente.

Segundo um dos mais conhecidos empresários brasileiros, Antônio Ermírio de Morais, os confrontos no campo constituem hoje o principal problema de Lula, maior mesmo que o desafio do crescimento, da geração de empregos, e do objetivo número um, que é matar a fome de milhões. Segundo ele, respira-se no País um clima de “revolução”, já que “não existe regra do jogo que possa suportar um movimento que vai lá, diz desaforo para o governo e o governo aceita”. Mas o governo do PT, segundo ele, está colhendo o que plantou. No passado, incentivou invasões de terra.

A reforma agrária que todo o Brasil defende não é, com efeito, essa do MST, um movimento que misturou coisa séria e necessária com um coquetel de aspirações políticas de outro calibre. Na Terra de Vera Cruz, concordamos com Ermírio, existe chão para beneficiar todos aqueles que querem realmente trabalhar. Estes precisam ser distinguidos dos “malandros da reforma que ganham a terra e vendem no dia seguinte”. Ou dos que, como o líder José Rainha Júnior, pretendem transformar o Pontal do Paranapanema em nova Canudos, onde foram trucidadas mais de vinte mil pessoas…

A cabeça do presidente Lula, em vez de afinada com a dos líderes do MST, deveria estar afinada com a esperança que sua própria eleição despertou na cabeça da maioria dos brasileiros que nele confiaram. Sua fase de paz e amor não incluía – não pelo menos explicitamente – essa possibilidade de incentivo à baderna que seus atos (mesmo que impensados) e as declarações desencontradas de seus ministros e assessores está a produzir. Antes que o Brasil se desarranje, é preciso afinar o tom da viola do próprio governo.

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