Briga com a balança

Quando o povo reclama a reforma do Judiciário quer dizer que quer a redução, o combate à criminalidade e o fim das injustiças. Existe o equívoco de imaginar que tais injustiças, que ocorrem no campo penal, civil, tributário, trabalhista, etc., são culpa do Poder Judiciário. E que este, autônomo, poderia metamorfosear-se em um mecanismo capaz de funcionar como uma balança de precisão, identificando e distribuindo justiça. Como não o faz por carecer de uma profunda reforma, as iras dos cidadãos justamente descontentes apontam para os juízes e os tribunais.

Como uma balança, aliás seu símbolo, deve funcionar a Justiça, mas para que o faça tem de ter o respeito dos demais poderes, sua colaboração e com eles funcionar de forma independente e harmônica.

Muita gente aplaudiu as rixas havidas entre o presidente Lula e o Judiciário, secundadas por outras autoridades, que aproveitaram para também atirar pedras. Falou-se em abrir a “caixa-preta” do Poder Judiciário e a expressão agressiva foi muito aplaudida. Afinal, alguém, e no caso o próprio Lula, havia cutucado o leão com vara curta. Tudo foi muito inconveniente e percebeu-o, desde logo, o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Maurício Corrêa, que, sem silenciar e defendendo o poder que dirige, fez ver que qualquer reforma na estrutura que dirige depende dos outros dois poderes: Executivo e Legislativo.

Na semana passada, fumaram o cachimbo da paz. Lula recebeu, no Palácio do Planalto, o ministro Maurício Corrêa, houve manifestações de respeito mútuo e o claro desejo de mostrar à sociedade brasileira que se briga havia, acabou. Maurício Corrêa convidou Lula a visitá-lo na sede do Supremo e o presidente da República sugeriu um encontro na casa do presidente do Congresso, senador José Sarney.

Ficou bem claro que a reforma do Judiciário só pode ser feita pelos três poderes. E que a peça principal nessa reforma é o Legislativo, que votará as novas normas de Direito objetivo, adjetivo, as especializadas e a reforma orgânica do Poder Judiciário. O que se fará, por este que é o único caminho possível numa democracia, é instrumentar o País para perseguir objetivos de Justiça, punir as infrações legais e abrir os tribunais a todas as camadas da sociedade, sejam poderosos ou humildes, ricos ou pobres.

Uma briga do Executivo, secundado pelo Legislativo, contra o Poder Judiciário, afigurava-se um absurdo. Nem tão absurda seria uma briga do Judiciário contra o Executivo ou mesmo o Legislativo, pois como poder que dirime dúvidas e distribui justiça, muitas vezes pode ter de insurgir-se contra os outros poderes, ora condenando-os em questões que os envolvem, ora refreando-os quando abusam de seus poderes. Questões fiscais, por exemplo, sempre que vão à Justiça, reclamam a análise das leis que o Legislativo elaborou e julgamento de atos do Poder Executivo, que freqüentemente é réu porque exorbitou.

Dos três poderes, o Judiciário é a última instância, e não o Executivo, a Presidência da República, como muita gente imagina, talvez com o entendimento distorcido pelo tipo de presidencialismo imperial que sempre tivemos, e pelos longos períodos de ditaduras, em que tanto o Legislativo quanto o Judiciário eram submetidos à vontade presidencial.

A reforma do Poder Judiciário, agora que começa a ser encarada de forma adequada e sem picuinhas, poderá ser realizada, consolidando um instrumento indispensável num verdadeiro regime democrático: a Justiça.

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