Brasília – Não há ilusões. A maioria dos 82 integrantes do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social entende que boa parte do trabalho que entregarão ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva será desprezada pelo Congresso na hora de votar as reformas.

Entre os conselheiros pesquisados pela reportagem, 66% (40) prevêem que as propostas serão acatadas apenas em parte. Eles encaram a tarefa como contribuição e rejeitam as críticas veementes ao que o PFL chama de parlamento biônico e o PSDB de clube dos amigos de Lula.

Os ataques do Congresso, acredita João Felício, presidente da Central Única dos Trabalhadores, devem-se à falta de convívio com novas formas de consulta à sociedade. Ele ressalta a importância de o governo ter criado um instrumento de democratização da tomada de decisões e lembra que a CUT, pela primeira vez, terá a oportunidade institucional de expor suas opiniões.

Felício é claro a esse respeito: – A democracia é cotidiana, não se esgota no processo eleitoral. A atuação do conselho não substitui a do Congresso. O Estado sempre consultou a elite, mas não a CUT. Lá, vou defender as posições da central, não as minhas. No Congresso, muitos deputados são eleitos com um discurso e votam diferentemente – diz o sindicalista.

O bispo evangélico Alceu Nieckarz, da Igreja Universal do Reino de Deus, é outro que contesta os parlamentares. O conselho, na sua opinião, pode trabalhar de forma mais isenta do que o Congresso: – Os congressistas são eleitos e muitas vezes procuram cada um seus próprios interesses e os interesses partidários. O conselho, não. Vai buscar o interesse da população em geral – afirma.

Divisão

Geralmente instalados em campos opostos, trabalhadores e empresários estão lado a lado no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Em pelo menos um aspecto já concordam: a missão é ajudar o Congresso a refletir. Para o presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio (Firjan), Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira, tal reflexão será, ao mesmo tempo, preliminar e simultânea aos trabalhos do Legislativo: – Os parlamentares vão receber os assuntos mastigados e isso vai iluminar o Congresso – prevê.

Essa luz, acredita o empresário Roberto Young, presidente do Instituto Ethos, deve levar os congressistas a dar crédito integral às propostas do conselho: – Essa é pelo menos a nossa expectativa, pois o conselho tenderá a antecipar os conflitos de interesse e buscará opções, as mais consensuais possíveis, preparando, assim, um ambiente mais saudável e objetivo para o debate político – imagina.

Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força Sindical, é mais cético e lembra o poder do governo nas decisões do Legislativo: – O papel do conselho é apenas ajudar a estabelecer possíveis consensos -diz.

Críticas à CPMF preocupam Tarso

Brasília

(AG) – A rejeição dos integrantes do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social à CPMF, revelada pela enquete, deixou o secretário do conselho Tarso Genro preocupado. Ele argumentou, porém, que se trata de uma postura antiga e conhecida da sociedade, inconformada com a elevada carga tributária do País. Seu entendimento é que o conselho precisa se debruçar na tarefa de encontrar formas para substituir a CPMF:. – É necessário um debate profundo sobre a CPMF, já que é óbvio que não podemos aconselhar o presidente Lula a reduzir a arrecadação do governo federal num momento de grande instabilidade internacional e que tem reflexos nacionais – afirma Tarso.

O secretário do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social considera que o debate público e transparente das reformas por parte dos conselheiros vai ajudar o governo a decidir sua proposta, mas também vai facilitar a tarefa do Congresso na hora de votar as mudanças necessárias.

Ao ser informado do resultado da pesquisa realizada pelo Globo, Tarso Genro afirmou que é preciso levar o debate das reformas à sociedade e que a iniciativa é uma demonstração de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acertou ao criar este fórum de discussões. – Com o conselho, as decisões: do governo serão tomadas com a co-responsabilidade da sociedade organizada – diz Tarso.

A divisão dos conselheiros quanto à aposentadoria integral dos servidores públicos não o surpreendeu. Ele considera que a questão é controvertida no conselho porque também é polêmica na sociedade. Mas Tarso acredita que a ampla discussão que será travada, a partir da visibilidade dos debates do conselho, vai ajudar a que se encontre uma solução adequada para enfrentar o problema.

Coordenador dos trabalhos do conselho, Tarso compartilha da opinião dos conselheiros de que o presidente Lula está criando uma nova cultura política de diálogo do governo com a sociedade.

Ministro tem experiência em conflitos

Brasília

(AG) – A experiência de conciliar opiniões contrárias que terá de praticar como presidente do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, Tarso Genro aprendeu em casa: integrante do time moderado do PT, Tarso é pai de uma das estrelas da ala radical do partido, a deputada federal Luciana Genro (RS). Os dois possuem um pacto, de não levar as diferenças de opinião sobre política a público. Deixam para debater em âmbito privado ou não tocam em determinados assuntos que sabem ter opiniões diferentes. Essa é a fórmula que tem mantido, apesar de pensamentos diferentes, a família Genro unida.

Outro segredo da boa convivência é Fernando Marcelo Genro, filho de Luciana com seu primeiro marido, Roberto Robaiana. Luciana teve Marcelo bem jovem, ainda com 19 anos. Tarso ajudou a criá-lo e adora o neto. Os três costumam ser vistos em Porto Alegre aos domingos, reunidos em churrascos ou passeios em parques e praças da capital gaúcha.

Pai e filha têm uma convivência considerada exemplar, mas os dois já divergiram publicamente: em 2000, a então deputada estadual defendeu um aumento salarial para os professores da rede pública do Rio Grande do Sul, ao contrário do que pregava o pai, defensor de mais realismo nas contas. Mas o pior não foi a divergência em público: a crítica de Luciana fez com que ela recebesse uma sanção pública do partido, ficando proibida de se manifestar publicamente sobre suas posições, durante dois meses.

As posições mais à esquerda de Luciana Genro encontram um paralelo com o início da carreira política do pai. Tarso já pertenceu ao PCBR, uma agremiação de esquerda clandestina durante a ditadura, exilou-se no Uruguai e em 1968 ingressou no antigo MDB, elegendo-se vereador em Santa Maria.

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