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Um guru dos anos 80 para a São Paulo do século 21

Sob um tapete de EVA alaranjado, nove mulheres e dois homens dançam e batem palmas de olhos fechados. “Osho, we are dancing for you” repete o grupo, perto de um grande retrato do guru indiano Baghwan Shree Rajneesh, o Osho, popular nos anos 1980. A cena não ocorreu naquele período, mas na quarta-feira, dia 6, em Pinheiros, bairro da zona oeste de São Paulo.

O guru ganhou novo destaque nos últimos meses após a série documental Wild Wild Country estrear na plataforma online Netflix. Polêmica, a produção atraiu o interesse de curiosos para as práticas e os ensinamentos do indiano, aplicados em diversos espaços no Brasil, dos quais 29 são reconhecidos pela Osho International Foundation, com sede em Pune, na Índia.

Ao todo, a rede reúne centros de informação e meditação em 80 países. No Facebook, a organização tem 2,4 milhões de curtidas. “Teve um grande aumento (de procura)”, garante o norte-americano Talib Fisher, fundador e ex-sócio do centro de meditação Osheanic, de Aquiraz (Ceará). Segundo ele, a série trouxe uma grande curiosidade para os espaços e atividades que aplicam ensinamentos do guru. Neste sábado, 9, começou a primeira edição do Path of Love no Estado de São Paulo, uma espécie de retiro de sete dias com práticas inspiradas em processos do Osho (que tem um livro chamado The Path of Love).

Em sua autobiografia, Osho se intitulava um “místico espiritualmente incorreto”. Ele era conhecido por valorizar tanto aspectos espirituais quanto materiais – sua coleção de Rolls-Royce teria chegado a 85 carros, segundo obituário no jornal The New York Times. “É um mestre que brinca, faz piada, não diz que a pessoa tem de se isolar do mundo. É um mestre provocador”, diz a facilitadora Ma Gyan Dayita, de 43 anos, uma das sócias do Lótus Terapias e Meditação, filiado à Osho Foundation.

Além de ter escrito dezenas de livros, o guru também desenvolveu tipos de “meditação ativa”, que envolvem estímulos verbais ou corporais.

Na prática visitada pela reportagem no Lótus, primeiramente os participantes sentaram em círculo e falaram, um por um, o nome e como se sentiam naquele momento – “ansiosa”, “em paz” e “em processo de recuperação”. Eles ainda dançaram e ouviram trechos de um livro de Osho sobre relacionamento – tema do mês no grupo e discutido, depois, em pares.

Liberação

Nos últimos 30 minutos, praticaram a chamada “Meditação Gibberish”, na qual passavam 15 minutos falando e, a outra metade, em total silêncio. Durante a prática, os participantes precisaram falar ou cantar em palavras inexistentes, improvisadas na hora, o que leva a conversas abraçadas em um cobertor e sussurros até choros, gritos e reclamações acompanhadas de murros no chão. Tudo com a intenção de liberar o corpo, a mente e o espírito para a meditação silenciosa.

Mostrado na série da Netflix, o Gibberish é um momento no qual os participantes são convidados a extravasar “sem julgamentos”, como aponta Dayita, que chegou a passar alguns meses em uma comunidade Osho no Rio Grande do Sul e fez parte de sua formação na Osho Foundation, na Índia. “A meditação permite que a pessoa se liberte, dance, resgate a vitalidade e, depois, entre nesse espaço mais relaxado”, explica.

Dentre os participantes estava a gerente comercial Gabrielle Cristófaro, de 33 anos, que começou a frequentar o Lótus em 2016. “Já tinha ouvido falar no Osho. Alguns amigos tinham livro, mas não sabia do que se tratava, o que era”, conta. Para ela, a descoberta veio ao lado da procura por autoconhecimento, que não se encaixava nas meditações que já tinha tentado. “Concordo quando dizem que só sentar, ficar em silêncio, é muito difícil para o homem moderno, essa coisa de ficar sem pensamento, nunca tinha atingido essa experiência de fato.”

Já o técnico eletrônico Ernani Nascimento, de 51 anos, começou a fazer meditação ativa há três anos. “Sempre tive uma espiritualidade, curiosidade, mas nunca tinha ido atrás”, diz. Além de livros do Osho, ele também se interessa por obras de outros autores, como o mexicano Don Miguel Ruiz e o indiano Deepak Chopra.

Preço

O Lótus não autoriza a divulgação dos valores de suas atividades. A postura é semelhante em outros espaços no País. No Osheanic, do Ceará, por exemplo, um passaporte de uso diário (com meditação, alimentação e espaços de relaxamento) custa R$ 110. No caso de hospedagem, o valor vai de R$ 200 (quarto dividido com quatro pessoas) a R$ 340 (individual). Uma atividade de três dias na Comunidade Osho Rachana, de Viamão (RS), custava R$ 400 em abril.

Perfil social

Ioga e meditação se tornaram tão presentes que é até difícil classificá-los hoje como práticas alternativas. Elas começaram a ganhar espaço nos anos 1970, na esteira do movimento hippie e do amor livre. “Era um meio alternativo, mas muito conhecido, muito frequentado. Veio para valer nos anos 1980”, explica Marcos Silva da Silveira, professor de Antropologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e estudioso de “religiosidades contemporâneas”. Para o professor, o perfil social dos adeptos permanece o mesmo, focado principalmente nas classes médias e alta, focando “desiludidos em busca espiritual”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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