Transição para economia “verde” longe de consenso

Tema central da Rio+20, a transição da atual economia “marrom” para a “verde” está longe de ser consenso. Grosso modo, a primeira é o sistema produtivo atual, poluente e baseado em combustíveis fósseis. A outra preconiza uma baixa emissão de carbono e um uso mais eficiente dos recursos naturais.
Mas países, organizações sociais e economistas têm visões diferentes sobre o conceito de economia verde e o funcionamento desse novo sistema na prática.

O grande impasse é sobre como a economia vai se reorganizar para enfrentar questões sociais, como o combate à pobreza e a redução das desigualdades em um cenário no qual os limites físicos do planeta ficam mais evidentes.

Com 7 bilhões de habitantes consumindo e aspirando a um padrão de vida mais alto, a capacidade de recuperação do ambiente, base para qualquer atividade econômica, está cada vez mais fragilizada. Ao mesmo tempo, o paradigma de sucesso dos países é o crescimento, trimestre a trimestre, da economia.
A ONU propõe uma espécie de caminho das pedras: um investimento anual de 2% do PIB global em dez setores-chave da economia, nas próximas décadas, bastaria para dar início à mudança em direção à economia verde. E ainda ajudaria a gerar milhões de empregos, na estimativa das Nações Unidas.
A proposta está em um relatório lançado em 2011 pelo Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), que será o ponto de partida para as discussões na conferência.

Quem paga

O montante, equivalente a US$ 1,3 trilhão por ano (R$ 2,6 trilhões), ajudaria a modernizar e “limpar” dez setores: agricultura e pesca; construção, energia, florestas, indústria, turismo, transportes, água e resíduos e metrópoles.

E quem pagará essa conta? Segundo o Pnuma, os recursos poderiam sair do cofre tanto dos governos, por meio de incentivos e subsídios, quanto da iniciativa privada, em investimentos diretos. Isso impulsionaria as tecnologias de baixo carbono.

“Parece uma quantia enorme, mas os governos gastam todos os anos cerca de 2% a 3% do PIB global em subsídios que só perpetuam o uso insustentável dos recursos”, afirma Steven Stone, chefe do Departamento de Economia e Comércio do Pnuma.

Ele cita como exemplos os subsídios pagos à indústria de combustíveis fósseis –cerca de R$ 1 trilhão/ano– e à agricultura sem práticas sustentáveis, na faixa de R$ 701 bilhões/ano.
“Se os governos começarem redirecionando esses subsídios danosos e obsoletos para dar suporte à economia verde, seria um grande passo à frente”, diz Stone.

Mas a economia verde está longe de ser consenso. Nas discussões do “Rascunho Zero”, esboço do documento final da Rio+20, muitos países refutam a definição proposta pela ONU. O grupo dos países pobres e em desenvolvimento, o G-77, teme que o mantra da economia verde seja um artifício dos países ricos para vender tecnologia cara aos pobres.

O Brasil endossa a posição do G-77, embora reconheça que possa se beneficiar com a transição para a economia verde, já que tem matriz energética mais limpa que os demais membros do grupo. “Não há consenso sobre economia verde”, reconhece o embaixador Luiz Alberto Figueiredo, secretário-executivo da Comissão Nacional para a Rio+20. “Mas nós queremos mostrar que cada país encontrará seu caminho para chegar ao desenvolvimento sustentável. A economia verde é um instrumento para isso”, diz o embaixador.

Mercantilização

Nos termos definidos pela ONU, a economia verde tampouco conta com simpatia dos movimentos sociais. A Cúpula dos Povos, evento paralelo à Rio+20 que será realizado no Aterro do Flamengo, concentra boa parte dos ativistas contrários à ideia.

As ONGs alegam que o conceito proposto nada mais é que uma tentativa de “pintar de verde” o neoliberalismo. Isso sem uma revisão profunda dos padrões predatórios da economia de mercado, como os estímulos ao consumismo, que estão levando o mundo ao esgotamento dos recursos naturais.

Movimentos sociais também não concordam com a proposta de atribuir valor econômico, ou seja, colocar preços em serviços prestados pela natureza, como a produção de água, a regulação do clima pelas florestas e a polinização das lavouras. Essa “precificação” poderia ajudar a remunerar proprietários de terra que preservam áreas de florestas, por exemplo.

A ideia faz parte de uma série de relatórios da ONU sobre a economia da biodiversidade, encabeçados pelo economista indiano Pavan Sukhdev. “A economia verde “ideologizou'”, diz Pedro Ivo, coordenador da Cúpula dos Povos. “Há muita confusão, entre os movimentos sociais, sobre como lidar com serviços da natureza. Mesmo que isso represente fonte de renda para agricultores e povos tradicionais”, diz Ivo.