STF ameaça acabar com a CPI do Banestado

Brasília (AE) – O Supremo Tribunal Federal (STF), se provocado, poderá considerar inconstitucional a quebra de sigilos fiscais e bancários de centenas de pessoas e instituições financeiras pela CPI do Banestado. Foi o que disseram ontem três ministros do tribunal, que consideram precária a justificativa da CPI para a quebra generalizada dos sigilos de uma só vez.

“Não se pode fazer isso de cambulhada”, disse um desses ministros. E mais: “O STF sempre recusa a quebra em massa de sigilos”. Em agosto do ano passado, a CPI conseguiu quebrar o sigilo da base de dados do Banco Central relativa à conta CC5, pela qual são feitas as remessas oficiais ao exterior e vice-versa. Com isso, a CPI enxerga 400 mil operações bancárias realizadas entre 1996 e 2000, e mais os dados relativos a cerca de 900 sigilos fiscais e 700 bancários. Entre esses sigilos estão os de banqueiros e executivos das principais instituições financeiras do País – e as próprias instituições.

Esse universo de pessoas e empresas está desde 2003 à mercê de uma luta política travada pelo presidente e pelo relator da CPI, o senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT) e o deputado José Mentor (PT-SP), respectivamente, sem que a CPI obtenha quórum para seu funcionamento.

Com a nitidez que ganhou o uso indevido desses dados, o próprio presidente da CPI – um dos mais acusados de se valer das informações sigilosas em benefício político pessoal -, disse ontem que solicitará na segunda-feira o arquivamento dos dados obtidos. “A CPI tem que perseguir seus objetivos. Não podemos absolver culpados, mas também não podemos punir inocentes”, disse.

Pelo menos três ministros do STF concordam que o caso da CPI se encaixa perfeitamente no contexto de mau uso dos dados obtidos. “Nem nomes constam nos pedidos que foram aprovados no âmbito do Congresso e em muitos casos o pedido tem apenas o número do CPF”, relata um desses ministros, ao tentar evidenciar a falta de fundamento que orientou a quebra generalizada de sigilos. Um terceiro ministro considera que uma fundamentação mínima já seria suficiente para justificar a quebra do sigilo por uma CPI, mas que não se pode abandonar a cautela nesse tipo de processo, até para evitar o risco de provocar um efeito nocivo sobre os investimentos.

Fragilidade

Os ministros do STF não comentam formalmente o assunto porque acreditam que acabarão tendo de julgá-lo numa provável ação de inconstitucionalidade movida por pessoas e instituições que se considerem prejudicadas pela quebra de seus sigilos. Mas não se furtam a explicar por que a situação da CPI é frágil. Sob o compromisso de sigilo da fonte, alguns deles concordam que a CPI do Banestado já cometeu falhas suficientes para ter sua atuação questionada. Um deles, inclusive, lembrou que já foram concedidas liminares corrigindo algumas dessas falhas.

A jurisprudência mais contundente em relação à quebra de sigilo prevê a anulação dos atos da comissão, caso fique comprovada a inexistência de uma fundamentação sólida, “com evidências materiais” que justifiquem a quebra do sigilo. “Meras ilações e conjecturas não têm o condão de justificar a ruptura das garantias constitucionais”, diz o texto de mandado de segurança concedido pelo STF. Apesar de ter assinado o requerimento para a quebra do sigilo, Paes de Barros afirma que a responsabilidade pela condução das investigações e análise dos dados é do relator da CPI. “Eu nunca vi estes dados”, disse. Mesmo tendo assinado o requerimento solicitando o acesso a essas informações, Paes de Barros não acredita que elas serão úteis ao trabalho da comissão. “Acho que não ajudam em nada. Essas remessas têm registros no Banco Central e foram feitas por pessoas que têm patrimônio suficiente para justificar essas movimentações para o exterior”, disse o senador.

O caso provocou tanta estranheza que alguns dos ministros do STF consideraram que talvez este seja o momento adequado para se propor a rediscussão do estatuto das CPIs, com o objetivo de adequá-lo à Constituição e à jurisprudência do Supremo. O atual texto é anterior a 1988. A iniciativa, para eles, evitaria abusos cometidos por sucessivas comissões, ultrapassagem de limites jurídicos e a politização de seus processos de investigação, como suspeitam que está ocorrendo no caso do Banestado.

“CPI está extrapolando limites”, diz Mercadante

Brasília (AE) – O líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT- SP), considerou irresponsável a quebra do sigilo fiscal de alguns dos principais banqueiros e executivos do mercado financeiro e disse que vai tomar providências para evitar mais abusos da CPI do Banestado. “Esta CPI está extrapolando os seus limites”, afirmou. “Os vazamentos estão acontecendo com objetivo claramente político, sem nem ao menos ouvir as pessoas. Não bastasse fragilizar a credibilidade monetária do Banco Central, com as acusações infundadas contra Henrique Meirelles, agora querem atingir os banqueiros.” A irritação de Mercadante acontece quando o presidente do BC tornou-se o alvo preferido da oposição, que opera com base em informações da CPI.

“Alertei para essa inconstitucionalidade ano passado”, lembra o senador Heráclito Fortes (PFL-PI), respaldando a queixa do relator da CPI, deputado José Mentor (PT-SP), de que as denúncias que surgem agora na imprensa são “requentadas”. Mentor referia-se à informação de que banqueiros e empresários tiveram seus sigilos quebrados. “Isso não é novo, já foi dito, escrito e debatido publicamente”, afirmou o relator, lembrando que a CPI aprovou a quebra em uma sessão pública em agosto do ano passado.

Mercadante disse que ainda vai avaliar as medidas a serem tomadas. “Mas não podemos deixar isso assim. Sempre demonstrei preocupação com quebra de sigilo bancário de forma tão ampla”, comentou.

O líder do PFL no Senado, José Agripino Maia, também criticou a conduta da CPI. Para ele, ela deve manter um objetivo definido para preservar sua própria credibilidade e evitar seu enfraquecimento.”A CPI não pode dar um tiro de cartucheira 12″, referindo-se à arma cujo tiro se espalha para todos os lados.

Integrante da CPI, o senador Demóstenes Torres (PFL-GO) afirmou também que vai pedir ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), providências para conter abusos que estariam sendo cometidos pela comissão. Para ele, a quebra indistinta de sigilo de banqueiros só serve para atender à ânsia de holofotes do presidente da comissão, senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT) e do relator. “Quebra de sigilo não pode ser genérica, tem que ser específica, contra a pessoa sobre a qual há suspeita concreta de crime diante de um fato novo”, explicou.

A CPI, segundo Torres, está sendo tocada de forma personalista pelo presidente e pelo relator, que estariam travando uma guerra particular de vaidades e ignorando os demais membros da comissão. “Eles (Barros e Mentor) estão metendo os pés pelas mãos.”

A CPI do Banestado foi aberta em junho de 2003, com base em investigação da Polícia Federal sobre evasão de divisas de US$ 30 bilhões através do Banestado. O principal destino deste dinheiro era a agência do Banestado em Nova York.

Os consultores da CPI estimam que o sigilo quebrado envolve a soma de US$ 54 bilhões, sendo US$ 30 bilhões em contas do Banestado.

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