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Sínodo da Amazônia expõe polarização do Vaticano; papa tenta conter divisões

A partir de domingo, dia 6, 184 bispos se reunirão para o Sínodo da Amazônia, que discutirá durante 20 dias, no Vaticano, a presença da Igreja Católica na região. A questão ambiental estará no centro das discussões – até por causa dos incêndios florestais -, mas o olhar dos clérigos se voltará também para temas que refletem o momento de polarização do Vaticano, incluindo discussões sobre ordenação de casados e ampliação da participação feminina.

Os dois temas estão no documento preparatório para o Sínodo porque a escassez de padres impede a expansão da Igreja na região amazônica. Se a Igreja vai adaptar suas diretrizes sobre esses assuntos, só se saberá quando o papa proferir a exortação apostólica pós-sinodal – o que não tem data estipulada para acontecer. Mas o fato é que o sínodo acontece em um momento em que Francisco é “espremido” pelos dois lados.

Na extrema direita da Igreja – para usar termos comuns à polarização -, cardeais pedem que ele renuncie e conclamam os fiéis a jejuarem para que as “heresias” pregadas pelo pontífice não sejam aprovadas. No outro extremo, os progressistas alemães estão prestes a realizar o Caminho Sinodal para discutir se o celibato obrigatório é a melhor maneira de um padre viver no século 21 e questionar o fato de que mulheres não podem ser ordenadas como diaconisas ou padres – o papa, aliás, até pediu um estudo teológico a respeito, que negou a existência histórica.

E há pressões diárias a respeito. Nesta quinta-feira, 3, por exemplo, houve novos protestos da associação Voices of Faith, que reúne religiosas de todo o mundo e cobra do papa que as mulheres tenham direito a voto no sínodo – há 35 delas entre os participantes, mas só com direito à observação. Indagado, o secretário-geral do evento, cardeal Lorenzo Baldisseri, voltou a dizer nesta quinta-feira que só terão votos os bispos e as pessoas autorizadas por Francisco.

Ao grupo mais tradicional, que pede sua renúncia, Francisco não responde. Aos alemães, escreveu uma carta dirigida aos fiéis na qual disse “compartilhar a preocupação sobre o futuro da Igreja na Alemanha”. No entanto, também alertou sobre o risco de se colocar em pauta processos que podem prejudicar a unidade da Igreja. Para ele, separadas, a Igreja universal e as Igrejas particulares “se enfraquecem, secam e morrem”.

Renúncia

Só a possibilidade de abrir brechas pastorais já movimenta críticos. Os conservadores normalmente evitam se pronunciar abertamente – mais ciosos da unidade da Igreja, temem que seus pronunciamentos coloquem “mais lenha na fogueira”. Mas há exceções, como o autor chileno José Antonio Ureta, ligado à Sociedade de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP). Para ele, como brincou Francisco há pouco tempo, há algo de “comunista” nessas ideias. “Não é novo. A Teologia da Libertação busca isso desde os anos 1970.”

Há 15 dias, o cardeal americano Raymond Burke e o bispo Athanasius Schneider (auxiliar de Castana, no Casaquistão) assinaram uma declaração de oito páginas na qual lançam um alerta contra seis “graves erros teológicos e heresias” no documento preparatório do Sínodo. Assim, reforçam a posição do cardeal alemão Walter Brandmüller, que considerou o evento próximo de contradizer “o ensino irrevogável da Igreja”.

As críticas falam de “panteísmo implícito”, uso de “superstições pagãs e xamanismo” e redução a costumes aborígines, além das críticas a ordenações de casados e à concessão de ministérios a mulheres. O documento de trabalho do Sínodo, defendido nesta quinta pelo relator, o brasileiro Dom Cláudio Hummes, fala da possibilidade de se discutir a questão dos “viri probati”, homens reconhecidos pela comunidade e de fé comprovada que se responsabilizariam por alguns sacramentos em locais isolados – e supririam a falta de padres. Na mesma linha, se cobra o reconhecimento das mulheres – que se encarregam de grande parte do serviço religioso na região.

Quanto ao Instrumento de trabalho, o cardeal Hummes afirmou que “não é do Sínodo, mas para o Sínodo”. “É a voz do povo local.” Baldisseri destacou que não se trata de um “documento pontifício”, mas de uma coleta das expressões do povo da Amazônia. “É o ponto de partida para começar a trabalhar.”

Para os opositores, porém, essa partida leva à heresia. Para combatê-la, sugerem “jejum” e até renúncia de Francisco. Já o papa, após viagem a Moçambique no dia 10, avisou que não tem “medo de cismas”. “Mas oro para que não ocorram. O caminho do cisma não é cristão.”

“O papa não quer uma ruptura com o corpo da Igreja”, explica Maria Clara Bingemer, professora titular do Departamento de Teologia da PUC-Rio. “Após o Sínodo da Família, Francisco já abriu o discernimento das igrejas locais sobre a Eucaristia para os casados de segunda união. Depois deste sínodo, é capaz de ter abertura de uma brecha para a ordenação de padres casados, como quer a Alemanha. Mas é tudo muito lento, mesmo.” Na mesma linha, até assessores próximos do pontífice, como o cardeal canadense Marc Oullet, se dizem “céticos” quanto a qualquer nova diretriz pós-sínodo.

Estar no meio desse embate é exatamente o grande mérito deste pontificado, afirmam os teólogos. “O caráter mais profético de Francisco é que ele se torna um homem de diálogo quando a sociedade ocidental parece ter desistido de dialogar”, afirma Francisco Borba, coordenador do Núcleo de Fé e Cultura da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Francisco faria a síntese: reconhece a necessidade de um arejamento doutrinal, mas mantém posições como a valorização do misticismo e a pregação de que gênero é apenas o biológico. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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