Relatora da ONU diz que polícia mata e desrespeita jovens no Brasil

A Relatora Especial sobre Execuções Sumárias da ONU, Asma Jahagir, ressaltou as impressões negativas que obteve na visita a duas Febens em São Paulo.

“Fiquei impressionada com o receio que os adolescentes tiveram em falar por medo de represálias. Ficou claro, a violência é uma rotina diárias para aqueles jovens. Mais de 75% dos rapazes com quem estive testemunharam assassinatos extra-judiciais”, completou. De acordo com a relatora, alguns ocorreram durante o período de custódia. Asma Jahangir está no Brasil desde 16 de setembro para investigar crimes de execução sumária, extrajudicial e arbitrária.

Durante a visita, esteve em seis estados e nove cidades, ouvindo líderes do governo, familiares de vítimas de assassinatos e entidades de defesa dos direitos humanos.

No relatório da visita, Asma cita diversos casos de violência policial contra crianças e adolescentes. Assassinatos sem explicação e ameaças às famílias e testemunhas chocaram a enviada da ONU. Segundo Asma Jahagir,existem relatos oficiais e não oficiais sobre o envolvimento de policiais nesses crimes.

Desrespeito à dignidade

Uma dos casos citados pela relatora chegou ao seu conhecimento por meio do depoimento da mãe de um ex-interno da Febem. O adolescente teria sido assassinado dentro da instituição por companheiros de cela. Segundo a relatora, o crime ocorreu um dia após a mãe da vítima ter comunicado às autoridades de que seu filho estaria recebendo ameaças de outros internos.
Avisada no dia seguinte ao assassinato, a mãe foi chamada à instituição para buscar os ”restos” de seu filho. Ao chegar ao local, recebeu de um agente os olhos do garoto e foi comunicada de que as outras partes do corpo estariam em uma geladeira.

Asma relatou ainda o caso de dois irmãos gêmeos que foram mortos a tiros por policiais na porta de casa. Apenas um deles sobreviveu. O adolescente, sua família e a equipe médica que o socorreu estiveram, segunda a relatora, sob constante ameaça dos autores dos disparos enquanto o garoto esteve internado. Cedendo às pressões, os médicos teriam liberado o paciente prematuramente. “O número de incidentes é excessivo. Pintam um quadro que
não condiz com um país democrático”, afirmou. Para a relatora, isso é o bastante para convencer aqueles que não acreditam que existe esse tipo de crime no Brasil.

Apesar da gravidade dos casos, Asma reconheceu o esforço brasileiro para a solução do problema. “As recomendações que ela fizer serão estudadas com todo o empenho do governo federal. Será uma boa ferramenta para as ações do governo”, disse o ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Nilmário Miranda. “Mas a situação é ainda muito grave”, reconheceu. Para o ministro, a saída é um convênio entre as polícias, o Ministério da Justiça e os estados, além de uma maior independência das corregedorias. “O governo brasileiro não vai repassar mais dinheiro para capacitar polícias para que elas continuem violando direitos”, disse. O investimento será na formação de agentes penitenciários e monitores das instituições de privação de liberdade para adolescentes em conflito com a lei.

Uma das recomendações de Asma Jahagir é que não sejam constituídas novas estruturas de controle, como prédios, equipes ou comissões. Para ela, é fundamental racionalizar o trabalho. Sugere atenção ao treinamento de agentes, por meio de estratégias renovadas, estudos de caso e maior interação com a sociedade e com as vítimas. “A polícia ainda mata demais”, ressaltou.

No Brasil, existem 190 instituições de privação de liberdade, onde cerca de 10 mil adolescentes e jovens cumprem medidas de internação, internação provisória ou de semiliberdade, segundo pesquisa do IPEA deste ano. O estudo revela que 71% das unidades não ressocializam o adolescente em conflito com a lei. Uma das razões é a superlotação, que fica em torno de 200% da capacidade dos estabelecimentos em alguns estados. No DF, há 157% de internos a mais, por exemplo. Na Bahia, a superlotação chega a quase 300%.

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