Pessoas que passaram por transplantes de medula óssea têm mais risco de sofrer ataques cardíacos, derrames (AVC), passar por cirurgias para doenças gastrointestinais e até de desenvolver um novo câncer do que o restante da população. Numa pesquisa inédita, médicos da Califórnia mapearam as doenças que atingem o paciente de transplante de medula óssea. O estudo, que investigou a saúde de 366 pessoas com mais de dez anos de transplante, foi apresentado no Encontro Anual da Sociedade Americana de Hematologia, realizado em San Diego, na Califórnia.

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“Não podemos desistir do transplante de medula óssea. Precisamos fazê-lo para que o paciente seja curado do câncer primário. Mas precisamos ter esse acompanhamento de longo prazo para conhecermos as complicações que vão surgir, detectá-las cedo e controlá-las para evitar que virem problemas mais sérios. Queremos que o paciente tenha uma boa qualidade de vida e por mais tempo”, afirmou Smita Bathia, médica do City of Hope Cancer Center, na Califórnia.

Para o estudo, que levou quatro anos, os médicos aplicaram um questionário com perguntas sobre a saúde física e psicológica do paciente e compararam os dados com as respostas de 309 irmãos dos transplantados. “Eles cresceram juntos e foram expostos ao mesmo ambiente dos sobreviventes. Também têm a mesma herança genética. Além disso, estavam dispostos a cooperar com o estudo em benefício do tratamento dos irmãos”, explica a médica Can-Lan Sun, líder da pesquisa.

Entre os transplantados, 74% tinham doenças crônicas. Desses, um em cada quatro sofria de doenças incapacitantes, que dificultam a locomoção, afetam a visão ou a audição. As doenças crônicas atingiam 39% dos irmãos, e apenas 8% deles tinham alguma condição mais grave.

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Doenças psicológicas, como depressão e estresse, afetavam ambos os grupos, sem distinção. Porém, 11% dos sobreviventes dos transplantes relataram estresse somático, enquanto no outro grupo esse relato foi de apenas 4%.

De acordo com as especialistas, as doenças mais comuns foram as cardiovasculares, ataques cardíacos e cardiomiopatias, derrames, cegueira, perda de audição, cirurgias gastrointestinais e osteonecrose. Não há distinção entre o tipo de transplante realizado – autólogo (do próprio paciente), ou alogênico (de uma pessoa para a outra). No entanto, nos casos de transplante alogênico em que surgiu a doença do enxerto contra o hospedeiro – quando o organismo passa a rejeitar o órgão transplantado -, a condição de saúde do paciente se deteriora muito.

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Entre aqueles submetidos ao transplante mais cedo, há maior risco de surgimento de novos cânceres, principalmente os de mama, tireoide, tumor ósseo e cerebral. Também têm maior risco de osteonecrose e catarata. Entre os mais velhos, as doenças mais comuns são as coronarianas, derrames e vasculares.

Os pacientes investigados tinham em média 37 anos – os mais jovens tinham 10 anos e os mais velhos 70. Mais da metade (55%) era do sexo masculino e 73% receberam a medula de outras pessoas. Entre as doenças que levaram ao transplante estão as leucemias (62%), linfomas (18%). Anemias aplásicas e outras doenças responderam pelo restante dos casos.

Para o médico da Unicamp Cármino Antonio de Souza, presidente da Associação Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, o estudo é importante para permitir acompanhar os desdobramentos da doença. “O transplante não é isento de riscos para o paciente – nem durante o procedimento, nem no futuro. Isso quer dizer que esse paciente vai precisar de cuidados médicos para o resto da vida. A relação dele com o médico será indissolúvel”, afirma.

A repórter viajou a convite da International Myeloma Foundation