Polêmica dos bingos transpõe campo judiciário

Rio

– A disputa em torno dos bingos vai além das denúncias de irregularidades. Psicanalistas alertam que o bingo vicia como uma droga. Para se ter uma idéia, 95% dos cerca de 450 apostadores compulsivos que freqüentam o grupo de auto-ajuda Jogadores Anônimos (JA) são viciados em bingo. O que era passatempo inofensivo, típico do domingo no clube, profissionalizou-se e produz alto grau de dependência: há os que já perderam fortuna e hoje tentam se livrar de cartelas e caça-níqueis.

O psiquiatra Ricardo Krause conta que, em seu consultório, é crescente o número de jogadores patológicos. Ele diz que o bingo é uma droga: pesquisas feitas nos Estados Unidos mostram que o cérebro do jogador patológico comporta-se de modo semelhante ao do viciado em álcool e cocaína. “A partir de mapeamentos por tomografia computadorizada, ficou constatado que o perfil cerebral de um jogador é semelhante ao de quem usa drogas. Já há medicamentos específicos que interferem na química do cérebro e reduzem o desejo de jogar, o que prova que há, nessas pessoas, disfunção química”, diz.

Ricardo Krause lembra que o ambiente já é inebriante: “São locais onde as pessoas não sabem se é dia ou noite. As pessoas que jogam ficam em transe.”

Foi exatamente o glamour do ambiente que atraiu a bancária Silvia (pseudônimo usado no JA). Ela conta que começou a freqüentar casas de bingo com os pais e o marido, mas perdeu o autocontrole. “Deixava de ir trabalhar para jogar. Não percebia o tempo passar. Cheguei a ficar dez horas no bingo e perder R$ 1 mil”, relata Silvia, que não joga há um ano.

A psicanalista Ruth Goldenberg explica que o perigo não está no jogo, mas em quem joga. “A pessoa que tem tendência ao vício se torna compulsiva. São, em geral, pessoas com problemas psicológicos que, em vez de procurar ajuda, buscam no jogo uma compensação para resolver angústias. Quem não tem esse perfil é capaz de jogar socialmente.”

Começo de brincadeira

Para a executiva Morgana (nome que adota no grupo de ajuda do JA), de 46 anos, o jogo começou como brincadeira, até que virou vício. Ela conta que já perdeu R$ 2 mil em seis horas de jogo. Não freqüenta casas de bingo há 25 dias e quer resgatar a autoconfiança. “No início, ia ao bingo esporadicamente, até que comecei a ganhar. Achei que era uma vencedora. Mas isso é uma ilusão. Abandonei meu trabalho e perdi o respeito por mim. Em segundos, você perde fortunas.”

A vendedora Priscila, que também freqüenta o JA, conta que em quatro anos de jogo fez uma dívida de R$ 30 mil. “O jogador perde o controle. As luzes e o barulho das máquinas hipnotizam”, conta. Para o executivo Marcelo Matos, de 51 anos, o maior perigo dos bingos é o fato de ficarem abertos 24 horas. “E você não precisa de parceiros. A minha desgraça foram as máquinas caça-níqueis. Entrei na brincadeira em 2001 e, em pouco tempo, passei a ir todos os dias. Em dois anos, fiz dívida com bancos, agiotas e financeiras. Quase perdi a família”, conta Marcelo, que há seis meses freqüentando o JA, não faz mais apostas.

Níveis

Com o pseudônimo Sabichão, o presidente do JA explica que há três níveis de jogadores de bingo: o eventual, que antes de ir ao bingo estabelece quanto vai gastar; o impulsivo/compulsivo, que a qualquer momento é capaz de deixar o que está fazendo para apostar no jogo; e o patológico, que não consegue fazer nada sem pensar em bingo. “Nas reuniões, percebemos que os jogadores migram do primeiro até o terceiro nível sem perceber”, diz o presidente do JA.

TRF decide o mérito

Rio

– A Justiça Federal determinou, no dia 9 passado, o fechamento de 38 bingos do Rio de Janeiro. A decisão do juiz Guilherme Calmon da Gama, da 6ª Vara Federal do Tribunal Regional Federal, atendia a uma ação civil pública, movida pelo Ministério Público Federal, em maio deste ano, alegando que a atividade não está regulamentada. Uma liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), reabriu as casas do jogo quinta-feira passada. No recurso, o Estado alegou que o fechamento acabaria com cerca de seis mil empregos diretos e 20 mil indiretos.

Mas a polêmica não acabou. Na reunião marcada para a próxima terça-feira entre os desembargadores da 5.ª Turma do Tribunal Regional Federal poderá ser julgado o mérito da ação impetrada pelo Ministério Público Federal, que alega que a atividade das casas de jogo não está regulamentada. O controle da receita gerada pelas casas, atualmente feito pela Loterj, é contestado no Supremo pela Procuradoria Geral da República.

A abertura de bingos foi possível com a aprovação, em 1993, da Lei 8.672, a Lei Zico. A intenção do então secretário nacional de Esportes, Zico, era financiar o esporte amador. Mas começaram a surgir denúncias de ligações dos bingos com entidades fantasmas e com corrupção. Os bingos de sorteios de números para preenchimento das cartelas viraram cassinos eletrônicos, com máquinas de videojogos.

Voltar ao topo