Poder dos procuradores divide base

Brasília – Além de reabrir a polêmica sobre o papel investigador do Ministério Público, a fita em que o subprocurador José Roberto Santoro negocia com o bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, revelou uma divisão interna no PT e na base governista sobre o poder e a autonomia que devem ter procuradores e promotores.

Enquanto os deputados petistas Antônio Carlos Biscaia (RJ), ex-procurador-geral de Justiça do Rio, e Sigmaringa Seixas (DF), vice-líder do governo na Câmara, apresentaram uma proposta de emenda constitucional para permitir que o Ministério Público conduza investigações, o ex-presidente da CCJ Luiz Eduardo Greenhalgh e outros parlamentares da base condenam projetos que dão maior independência ao Ministério Público.

Os petistas são unânimes em condenar os métodos de Santoro, que ouviu Cachoeira de madrugada e sem ser o procurador responsável pelo caso, mas discordam sobre as atribuições da Procuradoria da República. O projeto sobre segurança preparado pelo Instituto de Cidadania e assinado pelo hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva defende a ampliação do papel do Ministério Público.

Esta semana, porém, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, cobrou urgência na instalação do Conselho Nacional do Ministério Público, num paralelo do controle externo defendido pelo governo para o Judiciário. Já Greenhalgh é contra o aumento de poderes do Ministério Público: “A polícia investiga, o Ministério Público acusa e a Justiça julga. Sou contra a tentativa de instituir a investigação sigilosa feita por procuradores e promotores. Isso é que está partidarizando o Ministério Público”, diz Greenhalgh.

Biscaia discorda: “Se alguém procura o Ministério Público e relata um fato, o procurador manda um ofício, recebe resposta e, muitas vezes, esse procedimento pode dar origem a uma ação penal. O inquérito policial não é a única forma de investigação e nem é indispensável”.

Diminuição

Autor junto com Biscaia da proposta de alteração na Constituição, Sigmaringa diz que a possibilidade de o projeto ser aprovado diminuiu com o episódio Santoro:

“Há quem questione se o Ministério Público pode investigar. Mas uma coisa é investigação, outra é o que fizeram estes três procuradores num procedimento absolutamente ilegal”, disse.

Para o novo presidente da CCJ, deputado Maurício Rands (PT-PE), o caso Santoro deverá acelerar esse debate: “Santoro e Serra Azul conduziam uma investigação paralela. O Ministério Público é uma instituição fundamental para a democracia, mas não pode agir assim. Mas não foi a instituição e sim dois procuradores, o que é diferente da instituição inteira”, afirmou.

Para o constitucionalista Luiz Roberto Barroso, o Ministério Público deve ter uma participação mais ativa em investigações de casos excepcionais, como, por exemplo, os relativos à violação de direitos humanos com denúncias de abuso policial.

Já o presidente do PL, deputado Valdemar Costa Neto (SP), também é contra a proposta de regulamentar o poder do Ministério Público para investigar: “Temos de fazer a polícia funcionar. Se existe alguma queixa dos procuradores sobre a investigação policial, eles têm obrigação de denunciar”, comentou.

Já o deputado Luiz Antônio Fleury Filho (PTB-SP), ex-promotor e ex-governador de São Paulo, defende uma fórmula intermediária. Para ele, o Ministério Público só deve ter o poder de investigar em casos especiais. “A investigação do Ministério Público só deveria ocorrer quando houver desconfiança do trabalho da polícia. Isso poderia ocorrer, por exemplo, em investigação de violência policial ou de crime de colarinho branco”, disse Fleury.

ANPR busca simplificar inquéritos

Brasília

– Com o objetivo de garantir o poder de conduzir investigações, que na opinião de procuradores e promotores já está na Constituição, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) montou um grupo de trabalho para formular uma proposta de regulamentação da investigação criminal e de simplificação dos inquéritos policiais. O presidente da ANPR, Nicolau Dino, defende o direito do Ministério Público de investigar crimes.

“O Ministério Público é o titular da ação penal e parte do processo. Sua posição como autor da ação não o desvincula de seu compromisso legal. Tanto que ele pode arquivar o processo ou pedir a absolvição do réu. Por que não poderia buscar elementos para o processo? Seria melhor para agilizar as investigações”, argumenta Dino.

Para o procurador, os inquéritos policiais enfrentam uma crise pela própria demora com que são conduzidos pela polícia. Dino afirma que a investigação de um crime não pode ser monopólio da polícia: “Isso inviabiliza a chance de outras instituições colaborarem. Não estamos desmerecendo a atuação da polícia, mas queremos conjugar esforços. Existem inquéritos que se arrastam há oito anos. Só isso é um sinal de impunidade. Esses casos serão afetados pela prescrição”.

Os procuradores reclamam que as decisões judiciais que impedem o Ministério Público de conduzir investigações criam um impasse: não admitem que seja instaurado inquérito com base em denúncias anônimas ou notícias e nem permitem que procuradores chequem previamente as informações que recebem. Assim, argumentam, os crimes ficam sem apuração.

Costume

Embora o episódio da semana passada seja o segundo de confronto com uma investigação conduzida pelo Ministério Público, os integrantes do governo devem se acostumar a conviver com o que foi praticamente uma rotina ao longo dos oito anos da gestão de Fernando Henrique.

Rothenburg cobra mais rigor em investigações

O procurador da República Walter Rothenburg disse neste final de semana, em Curitiba, que casos de improbidade administrativa, como o de Waldomiro Diniz, merecem receber uma ampla investigação e não podem ser esquecidos pela mídia. Durante palestra na Universidade Tuiuti, na qual foi abordado o tema “Ética na Administração Pública”, o procurador disse que a mídia tem cobrado uma postura ética do governo, mas é preciso ser mais insistente, já que ela exerce um poder muito grande de cobrança junto aos governos.

Segundo ele, no entanto, a mídia deu mais destaque aos meios usados na investigação do que ao fato de “haver um caso de corrupção próximo à cúpula do governo”. Rothenburg se refere à gravação veiculada pelo Jornal Nacional, da Rede Globo de Televisão, em que o ex-subprocurador do Ministério Público Federal José Roberto Santoro pedia ao bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, a fita que incriminou Waldomiro Diniz. “Não entro no mérito da forma como a investigação foi conduzida, que de fato é questionável, mas havia indícios de corrupção”, afirmou.

A repercussão do caso levou o procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, a afastar Santoro. Rothenburg destacou ainda que tanto o Ministério Público quanto a Polícia Federal vem desempenhando um bom trabalho na questão dos bingos. Para o procurador, o trabalho de combate à corrupção no Brasil ainda é recente.

“No atual momento a sociedade deveria estar mais preocupada em coibir a corrupção do que em discutir possíveis excessos na investigação”. Rothenburg destaca ainda que a corrupção costuma prejudicar principalmente os direitos fundamentais dos mais pobres. “Há uma relação direta entre ética e manutenção dos direitos fundamentais”, disse.

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