Brasília – Depois de várias semanas em discussão, envolvendo o próprio presidente da República e ministros de estado, o projeto-de-lei de biossegurança será encaminhado nesta quianta-feira (30) ao Congresso Nacional. Ao apresentar a síntese do projeto, o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, admitiu que pode haver negociações com os líderes para que a proposta tramite em urgência.

A nova legislação ambiental fortalecerá o poder de ambientalistas e de alguns órgãos estratégicos do governo, como o Ministério do Meio Ambiente, nas decisões envolvendo produtos geneticamente modificados. O objetivo do projeto, conforme o ministro, é dar um rumo seguro às questões envolvendo pesquisas com biotecnologia e, especificamente, com os organismos geneticamente modificados, seja no âmbito do meio ambiente, da saúde ou do avanço da pesquisa e do conhecimento.

Ao entrar em vigor, a nova lei substituirá a atual, editada em 1995, e também a Medida Provisória de agosto de 2001. Chamada de Lei de Biossegurança, ela estabelece normas para o uso das técnicas de engenharia genética e liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados. A MP em questão criou a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), atribuição do poder Executivo estabelecida na lei.

As mudanças mais significativas são a criação do Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), a ampliação do número de componentes da CTNBio e a obrigatoriedade dos pedidos encaminhados à comissão com parecer positivo serem avaliados pelas entidades de registro e fiscalização do ministérios da Agricultura, Meio Ambiente ou Saúde, conforme o caso.

Os pedidos de liberação para pesquisa e comercialização que forem indeferidos pela comissão técnica, de acordo com a nova proposta, terão caráter conclusivo. Mas se a CTNBio quiser liberar a produção e comercialização de algum transgênico, terá que submeter o seu parecer a outras esferas do governo.

O CNBS vai assessorar a presidência na formulação e implementação da Política Nacional de Biossegurança. O conselho será presidido pelo ministro-chefe da Casa Civil e será composto ainda por outros 11 ministros. Apesar de ter atribuição de fixar princípios e diretrizes para a ação administrativa dos órgãos federais que analisam os pedidos de autorização de atividades que envolvam trasngênicos e seus derivados, o CNBS poderá pedir para si a função de analisar qualquer pedido de autorização de transgênicos.

Dirceu, no entanto, destacou que a função será de assessoramento. “Será um fórum para discutir questões éticas e legais, mas não terá caráter deliberativo, competência exclusiva da CTNBio e dos órgãos citados no projeto”, explicou Dirceu.

Com o novo projeto de lei, o governo não acena para liberação imediata, nem proibição, conforme ressaltaram os ministros presentes na apresentação da síntese da proposta. O governo brasileiro, por exemplo, ainda não tem resposta para o governo paraguaio que apresentou, hoje, segundo admitiram Dirceu e o ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, queixa contra a lei recentemente aprovada no Paraná que proíbe não só o plantio como também o transporte de transgênicos nas rodovias estaduais.

O Paraná é via para o transporte da soja do Paraguai ao Porto de Paranaguá, para exportação. Rodrigues negou que o episódio tenha repercussão diplomática negativa. “O que pode prejudicar é um conjunto de taxas e emolumentos que o porto receberia por não exportar soja paraguaia. Não vejo prejuízo diplomático ou de qualquer outra natureza. É uma questão muito imporante na área comercial e tem de ser tratada sob esta visão agora”, observou.

Inconstitucionalidade

A lei paranaense, aliás, vai sofrer seu primeiro revés com a decisão do Partido Popular Socialista (PPS) de entrar com Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), no Supremo Tribunal Federal.
Para o líder do partido na Câmara dos Deputados, Roberto Freire (PE), a lei é inconstitucional por bater de frente em lei federal e representa retrocesso para a ciência.

O deputado criticou ainda o projeto de lei do governo por considerar que a questão da biossegurança tomou caráter político, quando deveria ser concebido como um assunto de ciência. Para Freire, o CNBS não poderia ter o direito de analisar pedidos técnicos que já tenham passado pela CTNBio. “Essas questões têm de ser baseadas na ciência, inclusive porque deve ser levado em conta o princípio da precaução, da liberação caso a caso, que só pode ser analisado por especialistas. É o mesmo caso dos remédios”, advertiu.

Nova composição

Pela nova proposta do governo, a CTNBio passará a ter 26 componentes e aumenta também a participação da sociedade civil. Antes, a comissão tinha 18 integrantes, sendo oito especialistas de notório saber científico, sete representantes de órgãos governamentais e três representantes da comunidade. A sociedade civil passa ter oito representantes, das áreas de defesa do consumidor, saúde, defesa do meio ambiente, bioética, agricultura familiar, trabalhador, do setor empresarial de biotecnologia e da agroindústria. Os especialistas passam a ser 10 e os componentes do governo serão oito.

O ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, disse que os pedidos já analisados e aprovados pela CTNBio terão que passar pelo processo novamente, com a vigência da nova lei. A comissão já havia aprovado cinco variedades transgênicas, que estavam impedidas de comercialização por decisão judicial. “Os componentes da comissão vão adequar os processos à legislação que estamos propondo e, depois disso, será dado o devido encaminhamento”, explicou. A secretaria-executiva continua sendo responsabilidade do ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).

O MCT terá também a responsabilidade de gerenciar o Sistema de Informações em Biossegurança (SIB), que será criado pela nova legislação. O SIB reunirá as informações provenientes de atividades de análise, autorização e registro de transgênicos, além de monitorar e acompanhar essas atividades. O projeto de lei imputa responsabilidade civil a quem produzir danos ao meio ambiente ao lidar com transgênicos e responsabilidade penal para quem construir, cultivar, produzir, transportar, transferir, comercializar, importar, exportar ou aramazenas organismos modificados em autorização. A pena será de reclusão de um a três anos. No âmbito civil, o responsável terá que indenizar os prejudicados e reparar o dano.

As críticas sobre divergências entre ministros sobre o teor da lei de biossegurança que o governo encaminhará foram dissipadas pelos presentes à apresentação do projeto. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, disse que a proposta conjuga o pensamento do governo como um todo e dá as respostas que o assunto há tanto tempo pedia. “Quem ganha com a aprovação da lei é a sociedade brasileira, que terá a segurança quanto a uma tecnologia que pode atingir sua saúde ou o meio ambiente. Pela forma democrática como o projeto foi discutido, o projeto só traz ganhos à sociedade”, afirmou.

Marina destacou ainda que o governo está aportando recursos para que os órgãos competentes emitam pareceres de licenciamento ambiental de plantio de transgênicos e também para que se faça o macrozoneamento. Ela lembrou que, em alguns casos, será necessário também que a instituição que pede autorização para seu experimento ou produto elabore um estudo de impacto ambiental. A decisão sobre a necessidade deste estudo ficará a cargo do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), segundo a ministra.

A lei de biossegurança, proposta pelo governo, terá que ser regulamentada 90 dias após sua publicação. Instituições, públicas ou privadas, que trabalhem com transgênicos ou que desenvolvam atividades previstas na nova lei, terão 120 após a regulamentação para se adequarem aos novos parâmetros.

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