Não há consenso para reforma judiciária

Só há um consenso entre as diversas entidades do setor judiciário em relação à proposta de reforma que o Senado está prestes a aprovar: é que não há, praticamente, consenso nenhum entre elas no que diz respeito às principais medidas que poderão ser implementadas. Do controle externo do Judiciário à súmula vinculante, passando pela federalização dos crimes contra os direitos humanos, a maioria das modificações divide opiniões de magistrados, advogados, procuradores, promotores e juízes de primeira instância. A proposta ainda tem 165 destaques que serão votados no Plenário, no esforço concentrado de setembro, depois de a pauta ser liberada, após a votação de medidas provisórias e da lei de informática.

A súmula vinculante é rejeitada principalmente por juízes de primeira instância, que temem a perda de sua autonomia para julgar, e pelos advogados, que vêem nela causa para a diminuição de seu mercado de trabalho. “A súmula vinculante é uma medida inadequada. Um país que tem uma desigualdade social tão grande quanto o seu território não pode ter um comando único para todos os fatos sociais que acontecem dentro daquele mesmo assunto”, avalia Roberto Busato, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Para ele, que já chamou o governo de “o maior litigante de má fé do País”, para desafogar a Justiça bastaria que o governo não recorresse nas causas em que ele já sabe que vai perder. No seu raciocínio, a súmula vinculante ajuda a desafogar a Justiça na medida que impede a todos de recorrer sobre determinados assuntos. “É desdizer o Direito e tirar o julgamento do fato social do juiz natural, que é o juiz de primeiro grau”, explica Busato, que recorreu, recentemente, a uma metáfora médica para justificar sua posição.

“Seria a mesma coisa que uma pessoa acometida de um tumor maligno e que tem de fazer um tratamento. A súmula vinculante seria aquele tratamento quimioterápico que eliminaria o tumor maligno, mas levaria à morte o paciente por excesso de remédios. Já a súmula impeditiva de recursos tiraria o tumor, mas não comprometeria o paciente. Ou seja, o remédio na dose certa”, compara Busato.

A Ordem dos Advogados acha que a reforma necessária é a infraconstitucional. A que se discute hoje visaria estruturar melhor o Judiciário, mas não dará celeridade ao julgamento e ao encerramento do caso, acredita Busato. A saída está na reforma dos códigos (penal, civil etc.), pois seriam eles os responsáveis pelo excesso de recursos que conduz à morosidade da decisão.

Tribunais

Na contramão desta postura, os presidentes dos tribunais superiores deixaram clara sua posição favorável à súmula vinculante, considerada essencial para diminuir o volume de processos que chegam na forma de recursos judiciais. No Supremo Tribunal Federal (STF), por exemplo, os ministros são obrigados a proferir oito mil votos por ano, somente nos processos em que são relatores. Enquanto nos Estados Unidos a Suprema Corte, formada por nove juízes, decide 150 processos por ano, em média, o STF decide, com onze ministros, 80 mil causas a cada 12 meses.

Em nota oficial divulgada no primeiro semestre e entregue ao presidente do Congresso Nacional, senador José Sarney (PMDB-AP), os ministros dos tribunais superiores manifestaram-se também contra o controle externo do Poder Judiciário. “Nossa posição institucional é contrária à participação de pessoas estranhas aos quadros da magistratura no Conselho Nacional de Justiça, pois tem gerado sérias preocupações no seio da justiça brasileira. A forma em que foi idealizado traduz potencial ameaça à independência de um dos Poderes”, disse a nota, assinada pelos então presidentes do Supremo Tribunal Federal Maurício Corrêa; Superior Tribunal de Justiça, Nilson Naves; do Superior Tribunal Militar, José Julio Pedrosa; e do Tribunal Superior do Trabalho, Francisco Fausto.

Apesar da postura contrária ao chamado controle externo, na forma proposta pela reforma em discussão no Congresso, os ministros reconheceram, na nota, a necessidade de mudanças no Poder Judiciário, para torná-lo mais ágil e eficaz: “O Poder Judiciário, é incontroverso, precisa de reformas. Entre outros problemas, as deficiências estruturais, agravadas pela Constituição de 1988, na área da Justiça, com grave marginalização no seu acesso, descomunal volume de litígios e inadequação de procedimentos, resultam na lenta e precária prestação jurisdicional. Mas não há ainda consenso quanto a várias das propostas para as resolver ou atenuar”.

Busato, da OAB, uma vez mais se coloca em posição contrária aos ministros. Na sua visão, o Conselho Nacional de Justiça não visa tirar qualquer tipo de independência que possa ter o magistrado, muito pelo contrário.

Entidades se mobilizam pelas mudanças

A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) avalia que o objetivo de dar celeridade à Justiça não será atingido pela proposta em tramitação no Senado. O presidente da entidade, João de Deus Duarte Rocha, já declarou que o MP não é avesso ao controle externo, desde que este seja bem modulado para evitar interferência na atividade jurisdicional e na atuação do promotor. “Os instrumentos (a serem aprovados) não podem, por exemplo, ter o poder de decretar a perda do cargo do promotor ou do juiz, pois isso fere determinados princípios e garantias das carreiras, como a vitaliciedade”, raciocina Duarte Rocha, empossado no cargo em março passado.

Uma das entidades mais empenhadas em articular mudanças no projeto de reforma do Judiciário tem sido a Associação dos Magistrados do Brasil. O desembargador Cláudio Maciel, presidente da AMB, esteve no Senado este ano em pelo menos cinco ocasiões, negociando com os líderes e o relator modificações que a categoria considera importantes para aperfeiçoar a proposta. Vários dos destaques votados e aprovados na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, por exemplo, resultaram dessas conversas.

“Os principais pontos são a súmula impeditiva de recursos, no lugar da vinculante, a composição do Conselho Nacional de Justiça sem elementos de fora da magistratura, a eleição direta para os cargos diretivos nos tribunais, a não federalização dos crimes contra os direitos humanos e a manutenção dos tribunais regionais eleitorais na atual configuração (ou seja, sem a troca de um desembargador por um juiz federal)”, resumiu Maciel.

A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) comemorou a aprovação da federalização dos crimes contra os direitos humanos e a ampliação do número de juízes federais na composição dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs), medidas justamente criticadas pela AMB. Os dois destaques eram considerados, segundo Nicolao Dino de Castro e Costa Neto, presidente da ANPR, “especialmente importantes para o Ministério Público”.

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