O Ministério Público Federal propôs ação civil pública com pedido de liminar para que a Polícia Federal suspenda os processos de análise e concessão de novos Certificados de Registro de Armas de Fogo (Craf) na Baixada Fluminense, ou não aplique na permissão as novas regras previstas no decreto de Bolsonaro, o Decreto nº 9.685/2019.

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Para o procurador da República Julio José Araujo Junior, “o decreto é ilegal, ao contrariar o Estatuto do Desarmamento (lei 10.826/2003), generalizando o requisito de comprovação de efetiva necessidade para a aquisição de armas de fogo por pessoas físicas”.

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Uma ação semelhante já foi movida pelo Ministério Público Federal em Goiás. Na ação, que foi precedida de representação da entidade Fórum Grita Baixada, o MPF alega que o Decreto nº 9.685/2019, sob o pretexto de regulamentar o Estatuto do Desarmamento (lei 10.826/2003) e rever o decreto anterior (nº 5.123/2004), “contrariou os termos da lei, alterando as suas premissas e avançando sobre competência do Poder Legislativo, em afronta à separação de poderes”.

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A legislação prevê a declaração de efetiva necessidade de arma de fogo, em conjunto com os demais requisitos legalmente previstos, que devem ser analisados de maneira prévia, específica, pessoal e individualizada para a concessão de Certificados de Registro de Armas de Fogo.

Já o novo decreto “toma como base o simples aspecto geográfico (área rural ou área urbana em unidade federativa com índice anual de mais de dez homicídios por 100 mil) ou profissional (titulares ou responsáveis por estabelecimentos comerciais e industriais), sem estabelecer critérios estritos para a aferição da efetiva necessidade da arma de fogo”.

“As mudanças trazidas pelo Decreto nº 9685/2019 não configuram simples mudança de política governamental, mas sim estipulam disposições contrárias ao próprio texto da Lei nº 10.826/2003”, sustenta o procurador. “Em vez de uma política de restrição e controle pelo Estado do acesso a armas de fogo, como se extrai das balizas firmadas pela lei, o novo decreto incorre em regulamentação que, sob o pretexto de conferir novos parâmetros limitadores, promove a ampla liberação da posse de armas de fogo”, alerta.

Impacto desproporcional sobre determinados grupos sociais

A ação do Ministério Público Federal destaca que, conforme apontado pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), “o decreto não atende ao objetivo alegado de conferir maior segurança à população”.

O número de homicídios por arma de fogo passou de 6.104, em 1980, para 42.291, em 2014, o que demonstra que armas de fogo continuam sendo usadas em grande quantidade, causando maior violência e insegurança, e não o contrário, afirma a Procuradoria.

A ação aponta que 94,4% das vítimas de homicídio por arma de fogo são do sexo masculino e 71,5% das pessoas assassinadas a cada ano no país são pretas ou pardas. O documento indica ainda que a maioria é jovem, entre 15 e 29 anos. “Constata-se, assim, que o aumento de posse de armas de fogo tem um grande potencial para causar impacto sobre um público específico, jovem e negro”, explica o procurador Julio Jose Araujo Junior no processo.

Especificamente na Baixada Fluminense, de acordo com o Fórum Grita Baixada, houve 2142 casos de letalidade violenta em 2018, ou seja, 56 mortas a cada 100 mil habitantes, sendo 71,2% causadas por homicídio.

O maior índice é o de Japeri (102,92), seguido por Itaguaí (93,72), Queimados (83,74), Belford Roxo (62,72) e Nova Iguaçu (59,47). O perfil das vítimas é de jovens (até 24 anos), geralmente pretos e pardos, do sexo masculino, com baixa escolaridade.

Para o Ministério Público Federal, as mudanças do novo decreto “acarretam uma discriminação indireta sobre a população negra e jovem, gerando um impacto desproporcional nesse grupo”.

“Apesar das novas regras serem aparentemente neutras, seus efeitos são adversos a essa determinada parcela da população, mais exposta à violência e ao aumento dos homicídios”, diz a ação civil. “Além disso, prescindir da demonstração da efetiva necessidade, pode ensejar o aumento de ocorrências de homicídios por motivos banais e de feminicídios.”

Ao final do julgamento da ação, o MPF pede que seja declarada a ilegalidade do artigo 12, § 1º e § 7º, incisos III e IV do Decreto nº 9.685/2019, e que a Delegacia de Polícia Federal de Nova Iguaçu não emita CRAFs sem a análise prévia, específica, pessoal e individualizada do requisito legal da efetiva necessidade, adotando a sistemática prevista pelo Decreto nº 5.123/2004.