Ministério Público decide acionar Gustavo Franco

O procurador da República Luiz Francisco de Souza informou ontem, em depoimento na CPI do Banestado, que dentro de 45 dias o Ministério Público vai ajuizar a primeira ação contra o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco, apontado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) como o principal responsável pela autorização especial às agências de cinco bancos em Foz do Iguaçu para efetuar as remessas de recursos ao exterior por meio de contas CC5.

“Ficou provado que Gustavo Franco lesou o erário público, praticou atos de improbidade administrativa e foi o responsável pela evasão de divisas”, disse Luiz Francisco, ao manifestar a certeza de que o ex-presidente do BC será responsabilizado “por todos os atos ilícitos e espúrios que cometeu”. Ele afirmou que ainda não é possível quantificar o total do dinheiro que saiu do país ilegalmente por meio das contas CC-5 sob possível autorização de Gustavo Franco, já que o assunto está sendo investigado pelo TCU.

O procurador contou que a ação será ajuizada tão logo se encerre a avaliação jurídica do caso, que está sendo feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU). A ação poderá ser dividida: na primeira parte para formalizar a representação contra Gustavo Franco e na segunda tentar quantificar os valores que o Brasil perdeu com a evasão de divisas.

Operações

Luiz Francisco de Souza disse também que nas operações de privatização da Companhia Vale do Rio Doce e do Sistema Telebrás, ocorridas no governo passado, foram utilizados recursos vindos de depósitos que passaram por Foz do Iguaçu. Esses recursos, a seu ver, possivelmente saíram de forma ilegal do país por meio de contas CC-5 e retornaram legalmente para serem aplicados no chamado controle acionário que, segundo observou, é isento de tributação.

Em resposta ao relator da CPI, deputado José Mentor (PT-SP), Luiz Francisco saiu em defesa do delegado da Polícia Federal José Castilho Neto e do perito Renato Barbosa, “omens trabalhadores, honestos e competentes, que foram responsáveis pelo início das investigações da evasão de divisas”.

Luiz Francisco também se queixou da falta de recursos e de profissionais para que as investigações fossem aprofundadas em Nova York e disse estranhar que a direção da Polícia Federal “não tenha se debruçado sobre as fartas denúncias de irregularidades envolvendo o Banestado, documentadas em várias páginas e que sempre estiveram à sua disposição”.

Senador defende presidente do PFL

O senador Heráclito Fortes (PFL/PI) saiu em defesa de Jorge Bornhausen quando Luiz Francisco de Souza disse que o presidente do PFL foi denunciado por ter conta no exterior. “É ele quem deve vir aqui (à CPI) sob juramento para explicar tudo isso”, disse Luiz Francisco, sob protestos de Fortes. “Não aceito que (o procurador) diga que o senador venha a esta Casa prestar depoimento sob juramento. Fica o protesto, já que o senador (Bornhausen) nem está na sala para se defender”, disse Heráclito, que ouviu do presidente da CPI, senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT), que a comissão sabe zelar por sua autonomia.

Em seguida, Heráclito apresentou documento encaminhado por Luiz Francisco ao desembargador federal Mário César Ribeiro, em que o procurador se retrataria das acusações a Bornhausen feitas em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico. Luiz Francisco negou que tenha havido retratação. “É o próprio senador quem diz que tem”, declarou o procurador.

Bornhausen apresenta provas

O senador Jorge Bornhausen (PFL-SC) apresentou ontem, em reunião da CPI do Banestado, certidões da Procuradoria Geral da República negando que ele seja investigado em qualquer inquérito do Ministério Público em tramitação na Justiça, e do Banco Central, segundo o qual nenhum parente seu integra o quadro societário do Banco Araucária – apontado como uma das instituições que teriam participado do esquema de evasão de divisas do país por meio de contas CC5. “Faço aqui um registro da minha vida pública de 36 anos. Tenho, com correção, cumprido meu papel, na defesa do meu estado e do meu país. Fui obrigado a me defender de calúnias que foram lançadas por pessoas irresponsáveis que procuraram, através de documentos que não tinham qualidade, me denegrir”, disse Bornhausen.

No momento em que o procurador pedia a convocação do presidente do PFL Bornhausen entrou na sala pedindo a interrupção do depoimento e dizendo que não tinha qualquer relação com o Banestado e o Banco Auracária. Irritado, o presidente do PFL chamou o procurador de “ladrão da honra alheia”. Nesse momento, Luiz Francisco tentou responder, mas Bornhausen mandou que ele calasse a boca. No momento mais emocionado de sua fala, o presidente do PFL disse. “Cansei, senhor presidente. Eu tenho mulher, tenho filhos e quero ser respeitado por esse cidadão que não respeita certidões oficiais.”

A sessão foi suspensa por cinco minutos para acalmar os ânimos e dois funcionários públicos que acompanhavam o depoimento começaram a aplaudir o procurador e a gritar palavras de apoio a ele: “É isso aí, Luiz Francisco. Bota os corruptos na cadeia”, diziam. Os dois manifestantes foram expulsos da sala e detidos por alguns momentos numa sala reservada da segurança da Casa.

Declarações

Para Bornhausen, as declarações de Luiz Francisco são uma demonstração de sua irresponsabilidade e desrespeitam o Parlamento. Ele pediu que o procurador se submeta a exames de sanidade mental. “Não respeita certidões oficiais, prefere inverdades. Se nega a responder. Não honra o Ministério Público. Essa é a verdade. Não tem palavra, não tem honra, não merece estar no Senado”, disse Bornhausen sobre Luiz Francisco.

A tensão entre o procurador e o senador na CPI começou quando Luiz Francisco afirmou que o Araucária pertenceria originalmente a Paulo Konder Bornhausen, irmão do senador, e hoje estaria nas mãos de três cunhados do senador. Ele questionou o motivo de o Araucária ter recebido, por meio de autorização especial, assinada pelo diretor do Departamento de Câmbio do Banco Central, José Maria Carvalho, o direito de operar com contas CC5 acima do limite de R$ 10 mil, o que renderia boas taxas de administração ao banco.

Segundo o procurador, a estrutura do banco era pequena para receber autorização para movimentar mais de US$ 5 bilhões, montante equivalente ao do Banestado. “Por que o banco recebeu esse presente naquele governo se era um tamborete, não tinha estrutura para nada?”, perguntou.

Luiz Francisco sugeriu a convocação de Carvalho para explicar a autorização e a requisição do processo que levou à liquidação extrajudicial do Banco Araucária.

Perito confirma envolvimento de políticos

De acordo com o perito da Polícia Federal (PF) Renato Barbosa, ao serem feitos os cruzamentos dos dados levantados pelas investigações das contas CC-5 utilizadas para lavagem de dinheiro evadido para o exterior, foram localizados, entre 30 mil beneficiários, diversos nomes de políticos.

Ele explicou que na primeira etapa das investigações sobre as contas depositadas em bancos de Nova York, foram identificados os nomes de 269 servidores públicos federais, 124 candidatos a prefeitos e vereadores e 29 candidatos a cargos políticos nas últimas eleições, entre deputados estaduais, federais, distritais, suplentes de senadores e senadores suspeitos como beneficiários das contas.

Evasão

Renato Barbosa, que participou das investigações realizadas pela força-tarefa de Brasília enviada aos Estados Unidos explicou aos senadores e deputados da CPI do Banestado como funcionava o esquema de evasão de divisas de Foz do Iguaçu. Ele também esclareceu o sistema de trabalho da equipe, contando que foi o responsável pelo cruzamento das informações fornecidas pelos bancos norte-americanos sobre as contas-correntes ilegais dos beneficiários do dinheiro “lavado”.

Renato Barbosa contou que as apurações se deram, inicialmente, sobre pessoas que não tinham renda suficiente para manter as movimentações financeiras registradas pelo Banco Central. No começo, acrescentou, foram 137 investigados que mantinham uma média mensal de R$ 30 milhões. Como o número de investigados era pequeno, avaliou, não justificava que o BC demorasse um ano para notificar os bancos responsáveis pela movimentação desses cidadãos.

“Os mais de 300 laranjas dessa história não estavam nem sabendo do que estava acontecendo. São trabalhadores modestos que entram no esquema criminoso sem saber como este funciona”, disse Renato.

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