Lula deve R$ 1,44 bi de indenizações a anistiados

Brasília (AG) – Em 28 de agosto de 1979, o então presidente João Figueiredo, o último dos militares, assinou a Lei de Anistia. O texto havia sido aprovado no Congresso por uma margem apertada de cinco votos apenas, com o placar de 206 a 201. Vinte e cinco anos depois, o governo do anistiado político Luiz Inácio Lula da Silva tem uma conta bilionária a pagar com os que se sentiram perseguidos pela ditadura: só em atrasados, as indenizações chegam a R$ 1,44 bilhão. São 5.540 processos já aprovados pela Comissão de Anistia. Além das indenizações, a maior parte dos processos prevê o pagamento de pensões. Por ano, a conta para o governo chega a R$ 267 milhões.

A Comissão de Anistia foi criada em agosto de 2001 para julgar pedidos de indenização de ex-perseguidos políticos prejudicados em seus empregos, na época, por combater a ditadura. Em 1995, já havia sido criada a Comissão de Desaparecidos Políticos, que recebe pedidos de reparação de famílias de mortos e desaparecidos no regime militar.

Nas três câmaras da Comissão da Anistia, 13.800 processos ainda esperam julgamento. Presidente da Comissão de Anistia, o advogado Marcelo Lavenère diz acreditar que até o fim do governo Lula todos os casos pendentes estejam julgados. Segundo ele, ainda serão votados os 800 processos movidos por militares.

A reparação econômica que beneficia antigos militantes de grupos políticos, funcionários públicos, empregados de empresas privadas, e também militares, é uma conseqüência da Lei de Anistia. Foi o texto assinado pelo general Figueiredo, resultado de uma campanha nacional, que permitiu o retorno ao Brasil ou a volta à legalidade de militantes políticos que foram presos, perseguidos, cassados, banidos do País e exilados, sob a acusação de subversão.

Desde sua instalação até 23 de julho deste ano, a Comissão de Anistia julgou, nas três câmaras onde estão distribuídos os processos, 14.466 pedidos de anistia e indenização. Pouco mais de um terço dos casos – 5.540 processos – foi aprovado. A grande maioria é de militares, que tiveram 3.887 processos deferidos. Os principais beneficiados são antigos cabos da Força Aérea Brasileira que tiveram carreiras afetadas pelo caráter político de uma portaria de 1964.

Os processos de militares são julgados na 3.ª Câmara. Do passivo de R$ 1,4 bilhão, o governo deve a eles R$ 920 milhões, que representam 65,7% do total de retroativos a serem pagos a todos os anistiados pela comissão até hoje. Mas os militares são também os que têm o maior volume de pedidos rejeitados. Foram negadas indenizações a 7.837 deles.

Na 1.ª Câmara, que julga casos de servidores de empresas privadas e os de ex-militantes políticos que não trabalhavam, foram aprovados 721 processos até agora. Os atrasados a serem pago a eles somam R$ 111,6 milhões.

Mas os que recebem as maiores indenizações são ex-funcionários de estatais e autarquias, principalmente da Petrobras. Das 932 indenizações aprovadas na câmara, 38 anistiados têm direito a indenizações retroativas que ultrapassam R$ 1 milhão. São os milionários da anistia. Na 1.ª Câmara, há dez processos desse tipo.

O presidente do PT, José Genoino, ex-guerrilheiro do Araguaia, é um dos que criticam os valores milionários: “Lamento que haja indenizações tão altas. Um advogado chega a receber salário de ministro do Supremo. Enquanto isso, mortos e desaparecidos, que foram os mais atingidos, receberam no máximo R$ 150 mil. Formalmente eu tenho direito. Mas pedi para botarem o meu processo na gaveta”.

Os anistiados recebem, além dos atrasados, pensão mensal, chamada de prestação continuada, que vem sendo paga pela União para a maioria dos indenizados. São pagamentos mensais que variam de R$ 2 mil a R$ 20 mil.

Encerrado um ciclo com a Lei da Anistia de 1979, o assunto voltou a mobilizar parentes dos desaparecidos políticos e os próprios militares no governo Fernando Henrique. Em 1995, foi feita a Lei dos Desaparecidos Políticos, por iniciativa do então ministro da Justiça e atual presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim, e do então secretário dos Direitos Humanos, José Gregori. A lei reconhecia “como mortas pessoas desaparecidas em razão de participação, ou acusação de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979” e beneficiou imediatamente 136 militantes políticos.

Os casos eram analisados pela Comissão de Desaparecidos Políticos criada pelo Ministério da Justiça. Em 2002, Fernando Henrique ampliou as possibilidades da anistia política no País. Na Lei 10.536, o governo estabeleceu as condições nas quais servidores públicos e empregados da iniciativa privada seriam considerados anistiados políticos e receberiam indenização por terem sido perseguidos “por motivação exclusivamente política”, no período de 18 de setembro de 1964 até 5 de outubro de 1988. A Comissão de Mortos e Desaparecidos acolheu até hoje 280 casos.

Altos valores pagos provocam polêmica

Um levantamento feito nos 5.540 processos aprovados pela Comissão de Anistia revela que 48 anistiados receberam indenizações milionárias. Além de prestações mensais altas – a maioria acima de R$ 10 mil – esse grupo assegurou indenização retroativa de mais de R$ 1 milhão.

Dos anistiados com direito a indenização milionária, 38 são funcionários de estatais afastados do emprego por motivação política. Desses, 35 trabalhavam na Petrobras, empresa que paga salários acima da média. A indenização é calculada como se o anistiado ainda estivesse na ativa, em valores atuais. Os processos foram julgados na 2.ª Câmara da Comissão de Anistia, que analisa os casos de funcionários de estatais, e na 1.ª Câmara, para onde vão os processos de funcionários da iniciativa privada. Na 3.ª Câmara, que julga casos de militares, o maior valor retroativo concedido foi de R$ 938 mil.

Os altos valores pagos a anistiados provocam polêmica. O ministro Nilmário Miranda, da Secretaria de Direitos Humanos, que ficou três anos preso acusado de subversão, diz que o papel da anistia não é este: “Anistia não é promoção econômica. Não foi feita para ninguém subir de vida. É reparação de injustiça. Não deveriam pagar valores altos, mas foi a decisão do Congresso”. Nilmário diz que o valor da indenização não deveria ser superior à reparação paga aos parentes de mortos e desaparecidos: R$ 150 mil.

Para o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), advogado de ex-militantes e de parentes de desaparecidos, as indenizações aos anistiados deveriam ter o caráter de reparação: “Anistia não é prêmio de loteria, não é privilégio, não é meio de vida, não é boquinha”.

Vítima de um atentado a bomba em 1968 cometido por militantes do grupo de esquerda Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), o então aviador Orlando Lovecchio Filho recebeu pensão mensal e vitalícia de R$ 500 e entrou com recurso para conseguir a indenização de anistiado. Lovecchio faz uma comparação entre a pensão e a indenização de anistiado: “A pensão é de R$ 500, não é deixada para herdeiros, não se sabe quem pagará e não há previsão de quando receberei. Se fosse eu o terrorista que explodiu a bomba, teria uma pensão como se estivesse na ativa como piloto comercial, recebendo R$ 14 mil mensais, receberia reparação retroativa de R$ 2,6 milhões, não pagaria INSS nem Imposto de Renda e poderia transferir a pensão a herdeiros”. Lovecchio perdeu uma perna e não pôde mais trabalhar. Ele tinha 22 anos quando ocorreu o atentado, em frente ao consulado americano em São Paulo.

389 casos de assassinados pelo regime militar

A Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, instalada em 1995, já analisou 389 casos de perseguidos políticos que foram assassinados pelo regime militar, ou morreram em confronto, e que até hoje não se sabe a localização dos corpos. Foram aprovados pela comissão 290 processos e 99 foram rejeitados. A lei que criou a comissão estabelece que a indenização para os familiares desses ativistas políticos varia entre R$ 100 mil e R$ 150 mil. No total, foram pagos a essas famílias R$ 31,3 milhões.

Entre as atribuições da comissão estão também a busca dos corpos dos desaparecidos e a descoberta das circunstâncias em que ocorreram as mortes. Essas são as tarefas mais difíceis dos sete membros da comissão porque faltam documentos e arquivos.

O presidente da comissão, João Luiz Duboc Pinaud, ex-secretário de Direitos Humanos do Rio, pretende conversar com autoridades militares para tentar obter o maior volume de informações sobre casos ainda não esclarecidos. Para o ministro Nilmário Miranda, da Secretaria de Direitos Humanos, há muita resistência dos militares para reconhecer erros do passado: “Não vejo em que isso possa diminuir os militares, que hoje estão identificados com a democracia, com o projeto de nação. São patriotas, mas com imensa dificuldade em falar do passado, de reconhecer antigos erros”, disse.

Morador de Xambioá (PA), berço da guerrilha do Araguaia (1972-1974), seu Manoel Correia da Silva, de 88 anos, é uma das cerca de 50 pessoas da região que não estiveram envolvidas na guerrilha, mas foram torturados. Ele já entrou com processo na Comissão de Anistia. Na segunda-feira passada, a comissão aprovou o primeiro processo envolvendo uma moradora da região do Araguaia: Neuza Rodrigues Lins teve seu caso aprovado na 1.ª Câmara e irá receber uma pensão de R$ 2.500.

Dona Neuza sempre morou em São Geraldo, na região da Araguaia, no Pará. Ela foi casada com o guerrilheiro Amaro Lins, que morreu em maio de 2000, com quem teve quatro filhos. Os dois se conheceram em 1968, mas ela só soube de sua atividade de militante do PCdoB em 1972, quando Amaro foi preso pela primeira vez pelo Exército. “Não tinha idéia que ele era comunista”, disse. Pinaud afirmou que quer romper o silêncio da guerrilha do Araguaia e está aconselhando a população da região a encaminhar os casos para Brasília.

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