Jânio Quadros e Fernando Collor de Mello: semelhanças que o Brasil guardou

Na história do Brasil, entre semelhanças e diferenças, não ficaram sem registro os pontos comuns aos dois ex-presidentes, Jânio Quadros e Fernando Collor de Mello. Guardadas suas especificidades, eles se destacaram pela mesma capacidade de convencer, mas se diferenciaram na forma de deixar o poder.

Jânio e Collor trabalharam sua imagem. Jânio apresentava-se como homem simples da classe média, disposto a enfrentar os poderosos na luta pela moralização governamental. O símbolo adotado por Jânio em seu curto governo (janeiro a agosto de 1961), para varrer a corrupção, foi a vassoura. Collor proclamava-se defensor dos humildes e dos “descamisados” e atacava inflamadamente os poderosos, os “marajás” (Vicentino e Dorigo, 2002). Em sua campanha e em seu governo (1990-1992), prometia a modernização do Brasil entendida como a diminuição do papel do Estado, a defesa do livre-mercado, a abertura das importações, o fim das privatizações e dos subsídios para adequar o Brasil ao neoliberalismo mundial.

Jânio e Collor mostravam-se próximos da população. Jânio se dizia intérprete da vontade do povo para um governo que representaria a nação. Collor afirmava que representaria os brasileiros para mudar a cara do país. A campanha eleitoral dos dois se fundamentou no tema da moralização administrativa e política. Ambos se expressavam de tal modo que as palavras vazias de sentido chegavam a encantar os ouvintes, telespectadores e leitores.

Jânio e Collor foram políticos de televisão. Souberam reconhecer o poder da mídia e a utilizaram para, com gesticulação agressiva e aparições breves, proclamar afirmações que a população esperava ouvir. A mídia, especialmente as Organizações Globo, aderiu abertamente à campanha de Collor, e o Partido da Reconstrução Nacional (PRN) recebia doações dos empresários que se interessavam pelo conservadorismo (Vicentino e Dorigo, 2002).

Ambos colocaram em prática uma política de combate à inflação. Jânio Quadros encarnou as esperanças do futuro ao tomar posse. Seu governo foi desconcertante desde o início (Fausto, 2003), pois dava atenção a temas como a proibição do biquíni, do lança-perfume e das brigas de galo, interpretados pela população como assuntos desproporcionais para um presidente. Quanto à política externa, principalmente os conservadores da UDN-União Democrática Nacional, que tinham o objetivo de chegar ao poder, se colocaram em oposição a Jânio. A Revolução Cubana havia ocorrido em 1959. Em 1960 Jânio condecorou o companheiro de Fidel, Che Guevara, com a ordem do Cruzeiro do Sul. Mesmo não demonstrando apoio ao comunismo, seu gesto simbolizou publicamente a política externa independente que ele começava a praticar: a busca da terceira via para o Brasil entre os blocos capitalista e comunista.

De acordo com Fausto (2003), a política financeira de Jânio havia encontrado o déficit do balanço de pagamentos de 410 milhões de dólares para exportações num total de 1,27 bilhão de dólares. A dívida externa era de 3,8 bilhões de dólares, de acordo com Jânio, dos quais 600 milhões venciam em 1961; o déficit previsto para 1961 era de mais de 100 bilhões de cruzeiros. A inflação entre 1959 e 1960, no apogeu da época de Juscelino Kubitschek, havia superado os 30% ao ano. Então seu pacote de estabilização envolveu: forte desvalorização cambial; contenção dos gastos públicos e da expansão monetária; redução dos subsídios para importação de trigo e petróleo, que resultou na elevação de 100% no preço do pão e dos combustíveis. O pacote agradou aos credores do FMI-Fundo Monetário Internacional, e o Brasil conseguiu reescalonar a dívida brasileira e fazer novas dívidas nos Estados Unidos, apoiado pelo presidente Kennedy.

O Plano Collor readotou o padrão monetário do cruzeiro e instaurou o congelamento imediato de preços, seguido da liberalização e livre-negociação de salário, e promoveu o confisco de todas as contas correntes, poupanças e outros investimentos que excedessem 50 mil cruzeiros, por um prazo de 18 meses. Propagava o corte nos gastos públicos, a demissão dos funcionários do governo e o aumento dos impostos. Anunciaram-se privatizações e a diminuição dos impostos de importações. O Plano Collor II, lançado em janeiro de 1991, tinha o objetivo de reforçar o combate à inflação, pelo congelamento de preços e salários, elevar as taxas de juros e estimular a poupança.

Jânio e Collor deixaram o poder antes do final do mandato. Jânio renunciou à presidência da República em 25 de agosto de 1961. Comunicou a decisão ao Congresso Nacional, atribuindo sua decisão a “forças terríveis”, e partiu para o exterior.

Após as declarações de Pedro Collor em maio de 1992, em junho do mesmo ano o Congresso Nacional instalou uma CPI que acabou descobrindo que Collor vivia no luxo do dinheiro sujo. A sociedade brasileira se mobilizou para o impeachment, afastamento legal de Collor da presidência da República, que ocorreu em 29 de setembro de 1992 (Vicentino e Dorigo, 2002).

Observa-se, portanto, que os dois ex-presidentes venderam bem sua imagem e ganharam a credibilidade da população, mas não foram coerentes. Jânio Quadros, sem explicações sobre as “forças terríveis”, renunciou e foi viajar. Fernando Collor de Mello foi obrigado a renunciar pela mobilização da população que o repudiou. Ambos não foram éticos. Aliás, o conceito de ética é pouco praticado. Basta analisar e entender estas e muitas outras práticas políticas no decorrer da história do País.

Jorge Antonio de Queiroz e Silva

é professor, historiador. Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná.E-mail:
queirozhistoria@terra.com.br 

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