Harmonia agora reina entre Executivo e Judiciário

Brasília

(AG) ? Ficou para trás o tempo em que a convivência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o presidente do Supremo Tribunal Federal e outros integrantes da cúpula do Judiciário era um duro exercício de diplomacia. O julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que manteve a cobrança da contribuição previdenciária dos servidores inativos só reforçou o que ninguém mais esconde: agora vigora a harmonia entre o Judiciário e o Executivo. O nível de entendimento e alinhamento em decisões estratégicas para o governo há muito não se via no País.

Depois das turbulências registradas na gestão do ex-presidente do STF Maurício Corrêa, que vivia às turras com Lula e até com o Congresso, a chegada do ministro Nelson Jobim em maio ao comando do Supremo é comemorada pelo presidente e por seus auxiliares mais próximos.

Nos bastidores, os ministros de Lula brincam quando se referem ao presidente do Supremo, chamando-o de “o tucano Jobim”. Embora tenha construído sua carreira de parlamentar no PMDB, Jobim foi nomeado ministro da mais alta corte do Judiciário pelo ex-presidente Fernando Henrique e foi acusado pelo PT de ligação com tucanos. Agora, de acusado de proximidade com o governo do PT.

Tanto o governo quanto os ministros do Supremo negam que tenha havido negociação para uma solução alternativa à taxação dos servidores inativos. No julgamento, para garantir a aprovação, ficou decidido manter a taxação, mas diminuiu-se a quantidade de atingidos pela medida e o valor a ser cobrado. Todos no governo saíram satisfeitos com a vitória possível. E o próprio Lula foi informado de que a solução dada pelo Supremo fora cuidadosamente costurada internamente por Jobim.

Depois da prova de fogo, a expectativa do governo nas próximas batalhas que enfrentará no Supremo é mais tranqüila. O desafio de setembro será o julgamento sobre o poder de investigar do Ministério Público. Jobim, antes de assumir a presidência do Supremo, votou contra o poder dos procuradores de conduzir inquéritos, alegando que não existe na Constituição a prerrogativa da categoria para tal atividade. Outros ministros do Supremo também já se manifestaram favoráveis à limitação de poderes do Ministério Público.

No governo, a tese é defendida pelo chefe da Casa Civil, José Dirceu.

Jobim atuou politicamente para que fossem retomadas as boas relações do Judiciário com o Executivo. Por quase um ano, Maurício Corrêa e Lula protagonizaram trocas de desaforos e acusações.

A relação de Jobim com o governo Lula é facilitada pela amizade que construiu ao longo de seus mandatos com petistas como Dirceu, Sigmaringa Seixas e Paulo Delgado. No entanto, o mais freqüente interlocutor do governo com Jobim vem do meio jurídico. Trata-se do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, com quem o presidente do Supremo conversa ao telefone mais de uma vez por semana. Quando o momento é de crise, o diálogo é diário.

“Juntando forças”

A aproximação do Judiciário com o governo também passa pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que tem no comando um ministro político, Edson Vidigal. O contato com o governo é feito principalmente por intermédio do amigo José Sarney (PMDB-AP), presidente do Senado e aliado do governo. “Lula tem se esforçado para se aproximar do Judiciário. Houve uma considerável evolução nas relações, coincidentemente após a minha posse no STJ e a de Jobim no Supremo. Até o STJ deixou de brigar com o Supremo”, conta.

Vidigal reafirma que não teme críticas de que um alinhamento do Judiciário com o Executivo possa ser visto como prejudicial aos interesses da população: “Não entendo isso como o governo submetendo o outro Poder. De jeito nenhum. Somos todos empregados de um mesmo patrão: o povo. Estamos juntando forças para servir ao mesmo ideal”.

Essa harmonia ficou mais evidenciada quando o STJ decidiu pela adoção do IGP-DI em vez do IPCA na correção dos preços repassados ao consumidor pelas empresas de telefonia. A medida tranqüilizou os investidores estrangeiros – e o Palácio do Planalto. “Numa decisão só, as bolsas subiram, o dólar caiu, os C-Bonds valorizaram e o risco Brasil caiu em Nova York. Entendemos que o STJ não é um ser extraterrestre que tenha que se manter distante das realidades sociais, interpretando de modo frio e insensível as normas jurídicas. Estando nós na República, não podemos fugir dos compromissos com a governabilidade. Vamos tomar uma decisão para quebrar o País? Isso arrebentaria com a democracia. O primeiro dever do juiz é buscar a conciliação”. disse Vidigal.

Discordância entre juristas

O jurista Ives Gandra Martins acha que o perfil do Supremo Tribunal Federal (STF) mudou, mas diz acreditar que a tendência é positiva. Para Gandra, o Supremo tende a se tornar mais parecido com tribunais superiores de países desenvolvidos, onde a defesa da estabilidade das instituições prevalece sobre a análise fria do direito. Para ele, o STF julgou o caso da taxação dos servidores públicos inativos segundo a lei e não como eco às trombetas do apocalipse governamental.

O jurista Fábio Konder Comparato discorda. Acha que o STF pode acabar perdendo sua independência e acentuar ainda mais o poder do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para ele, ministros da mais alta corte do País têm se submetido a “chantagens do Executivo” em detrimento da Constituição. “O que tem ocorrido é que a decisão vem segundo a ameaça de caos. Isso aconteceu quando “aquele que eu não digo o nome” (o ex-presidente Fernando Collor) disse que, se não congelasse os ativos bancários, o país cairia no abismo. Fizeram o mesmo agora com a Previdência”.

Comparato avalia que a função da mais alta corte do País não é proteger o governo de crises de governabilidade, mas sim guardar a Constituição. Por isto, na opinião dele, os ministros do STF não podem ser vinculados com o governo nem tomar decisões políticas. “Afinal, num estado de direito, o governo e o Judiciário são absolutamente independentes”, diz.

Já Gandra acha que o Supremo não tem votado politicamente em defesa do governo. No entanto, basta que o governo federal tenha habilidade para que a suprema corte do país modifique a sua atuação tradicional.

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