Golpe de Fernando Collor está fazendo 15 anos

collor130305.jpg

Collor pegou o dinheiro do povo e jogou
o País numa profunda recessão.

Brasília – O maior trauma financeiro da história do país completa 15 anos esta semana, ainda vivo na memória dos brasileiros. O confisco do saldo das cadernetas de poupança, das contas correntes e das aplicações no overnight, principal arma contra a hiperinflação vivida na época, foi anunciado pelo então presidente Fernando Collor de Mello numa inesquecível manhã, no dia 16 de março de 1990.

Mais tarde, atônita, a população se esforçava para entender as medidas em uma desastrada entrevista coletiva em que a equipe que criou o plano não conseguiu responder a várias perguntas dos jornalistas: ?A certeza de que o plano havia fracassado nasceu no próprio dia do seu anúncio?, diz um ex-integrante dessa tropa de choque, que prefere o anonimato ao recordar a elaboração do programa.

A equipe era liderada por Zélia Cardoso de Mello, então ministra da Economia, e incluía Ibrahim Eris, na presidência do Banco Central (BC); Antônio Kandir, como secretário de Política Econômica; e Luis Eduardo Assis, como diretor de Política Monetária do BC.

Segundo esse integrante, a equipe não previu todos os desdobramentos possíveis das medidas: ?Você vê a sua casa pegando fogo e tudo que tem à mão é um balde com água suja. Quem é que vai se preocupar se a água vai sujar o tapete? Em 1990, era tudo ou nada?. A casa incendiada foi a metáfora usada para se referir a uma inflação que naquele março chegou a 82% (pelo INPC). Os saques da poupança foram limitados a 50 mil cruzados novos, que passaram a valer 50 mil cruzeiros.

Quantias acima desse valor ficariam depositadas no BC por 18 meses, mas o governo acabou por antecipar em um mês a liberação, em 12 parcelas mensais. Do overnight (operação financeira de um dia), foi possível resgatar 25 mil cruzeiros ou 20% do saldo, o que fosse maior. O bloqueio atingiu 70% dos ativos ? US$ 85 bilhões da poupança. Os preços foram congelados e o governo divulgava mensalmente tabelas com quanto deveria ser cobrado por produto, dos ovos ao arroz.

Sem dinheiro para girar a economia, o país entrou em profunda recessão. Em 1990, o Produto Interno Bruto (PIB, a soma de todas as riquezas produzidas no país) caiu 5,05%. As empresas começaram a demitir funcionários e, uma semana depois do anúncio do plano, o setor da construção civil, por exemplo, já acumulava mais 13 mil postos de trabalho fechados. Entre 19 e 29 de março, a Bolsa de São Paulo caiu cerca de 50%. Pressionado, o governo começou a liberar cruzados novos nas primeiras semanas. Em pouco tempo, a inflação voltou e, em julho, já superava 20%.

Essas ?torneiras de liquidez? são apontadas hoje por economistas como uma das causas para o fracasso do plano, assim como a falta de políticas fiscal e monetária apertadas. ?O plano não podia dar certo porque tinha um diagnóstico errado do problema. Era preciso atacar os gastos públicos. O plano gerou um custo alto para a sociedade e levou ao empobrecimento do país?, diz Fernando de Hollanda Barbosa, da Fundação Getúlio Vargas. ?Não houve quebra de contrato igual na história do país e isso gerou um trauma que até hoje perdura?, lembra o professor do Ibmec Business School Carlos Thadeu de Freitas, que foi diretor do BC em 1989.

O que eles disseram

?O Brasil não aceita mais derrotas. Agora é vencer ou vencer. Que Deus nos ajude?
FERNANDO COLLOR DE MELLO em 17/3/1990

?A única bala que o presidente Fernando Collor tinha para abater a inflação acertou sua própria cabeça?
PAUL CRAIG ROBERTS Economista do Center for Strategic & International Studies (abril/1990)

?Virem-se?
COLLOR DE MELLO falando a industriais que não tinham dinheiro para pagar os salários (28/3/1990)

?Invadiremos os bancos se não liberarem o dinheiro?
VICENTE PAULO DA SILVA, o Vicentinho, então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, querendo empréstimos para compensar o confisco (4/4/1990)

?Não adianta invadir, porque os bancos não têm dinheiro pra emprestar?
LEO COCHRANE – presidente da Febraban, em resposta (4/4/1990)

?Não era muito, mas meteram a mão no meu bolso?
Ex-governador LEONEL BRIZOLA  sobre o confisco (18/3/1990)

?Diante dos seus rapazes de hoje, o Bulhões (Octavio Gouvêa de Bulhões, ex-ministro da Fazenda) e eu éramos meninos inocentes quando fizemos a reforma econômica no governo Castello Branco?
ROBERTO CAMPOS, então deputado, a Collor (21/3/1990)

Pais do confisco não assumem plano

Sâo Paulo – O então presidente do Banco Central Ibrahim Eris, um dos principais nomes da equipe que fez o Plano Collor, hoje evita falar sobre o assunto. Ele presta assessoria econômica para empresas por meio da Eris Consultores e Associados, com sede em São Paulo. Até 2000, foi um dos sócios da Linear, uma administradora de recursos cujo patrimônio chegou a R$ 250 milhões. A trajetória de sucesso da Linear, que contava ainda com o também economista Luís Paulo Rosenberg e o engenheiro Emir Capez, foi rompida em 1997, quando a administradora amargou pesados prejuízos com a crise na Ásia. Ela nunca se recuperou do baque.

Outro que teve papel decisivo no programa de Collor foi o economista Antônio Kandir, que ocupou a Secretaria de Política Econômica. Depois do governo, Kandir passou duas vezes pelo Congresso como deputado federal por São Paulo. Ele deu seu nome para uma lei promulgada em 1997 que isenta de IPI e ICMS a exportação de produtos primários e semi-elaborados. Ela também garante uma compensação aos estados pela isenção do ICMS.

Trabalhando hoje como consultor de empresas, Kandir decidiu se aventurar no mercado financeiro. Desde 2002, a sua empresa, a Governança & Gestão Investimentos, tem autorização da CVM para prestar serviços de administração de carteiras. Em outubro passado, ele registrou em nome da Governança um Fundo de Investimentos em Participações (FIP). De acordo com a CVM, nenhum valor de patrimônio líquido foi registrado até agora. Pelas normas da autarquia, o investimento mínimo por cotista no FIP é de R$ 100 mil.

Outros nomes que tiveram participação direta ou indireta no plano foram os de Luís Eduardo Assis, que ocupou a diretoria de Política Monetária do Banco Central, e de Gustavo Loyola, ex-diretor de Normas. Depois de ter passado pelo Citibank, Assis comanda atualmente o HSBC Investment Bank. Já Loyola trabalha ao lado do ex-ministro Mailson da Nóbrega na consultoria Tendências.

Mesmo no anonimato, hoje ninguém quer assumir a paternidade do confisco monetário. E poucos aceitam dar entrevistas sobre o tema. Um dos integrantes da equipe do Plano Collor lembra que, na pressa, a equipe deixou de lado várias propostas. Uma delas passava pela criação de uma espécie de conselho extraordinário de combate à inflação, que seria integrado por governo e Congresso. No papel, seria uma forma de pavimentar uma ligação com os parlamentares, mas pareceu inviável tal parceria, quando a espinha dorsal escolhida para o plano era o confisco monetário.

Zélia diz que tudo deu certo

Rio – De Nova York, onde trabalha como consultora, a ministra da Economia do governo Collor, Zélia Cardoso de Mello, destacou, por e-mail, as falhas e qualidades do plano que ajudou elaborar. Para ela, o tempo mostrará que o plano foi mais do que o confisco da poupança.

Hoje, 15 anos depois do Plano Collor, o que a senhora aponta como as principais falhas e qualidades do plano? A senhora faria alguma mudança?

Zélia: Não acho que existam dúvidas hoje sobre as qualidades do plano, no que se refere à radical mudança estrutural da economia, liberalização comercial, privatização, fim da reserva de mercado da informática, lei das patentes, regras para o capital estrangeiro. A principal falha foi conjuntural e neste ponto é que faria mudanças: na renegociação da divida externa e na administração da reforma monetária logo após o anúncio do plano. Refiro-me às torneiras de liquidez abertas e outros, como transferência de titularidade.

E por que o plano não deu certo?

Zélia: Mas deu certo. Do ponto de vista estrutural, o objetivo era mudar o modelo econômico, e isso foi feito. Do ponto de vista conjuntural, um dos objetivos era evitar a hiperinflação, o que também foi feito. Infelizmente, as pessoas esquecem que a inflação era superior a 80% ao mês.

O confisco da poupança era indispensável?

Zélia: Acredito que a avaliação dos historiadores do futuro será diferente. Mas isto só o tempo dirá. A reforma monetária era indispensável. Situações dramáticas requerem medidas dramáticas. A caderneta de poupança não era inicialmente o alvo, mas pouco antes do início do governo, os rumores se intensificaram e começamos a observar uma migração para as cadernetas (os ?novos poupadores?) e isto nos obrigou a repensar a medida.

A senhora voltaria à política?

Zélia: Parafraseando um grande amigo meu, já esgotei minha dose de erros…

Voltar ao topo