É difícil começar um texto sobre o assassinato brutal de três crianças e duas professoras em Saudades sem falar da saudade que o riso fácil da Keli Adriane Aniecevski, 30, deixará e da falta de ver a Anna Bela, 1, correndo brincando de pique pega pela casa ou da alegria de celebrar a primeira e única filha Sarah Luiza, 1.
O velório coletivo na manhã desta quarta-feira (5) no ginásio esportivo da pequena cidade de 9 mil habitantes tenta não ignorar os protocolos para a Covid-19, embora o abraço e a aglomeração de centenas sejam inevitáveis em meio à dor e ao choque da violência onde até furtos são raros e os rostos são todos conhecidos, mesmo atrás das máscaras.
O ataque à Escola Municipal Infantil Pró-Infância Aquarela nesta quarta (4) vitimou também a agente educativa, Mirla da Costa Renner e o pequeno Murilo Massing, 1. Deixou ferido ainda um menino de 1 ano e 8 meses ele passou por cirurgia e está internado em estado grave, mas estável, na UTI.
A creche, que recebe crianças de 0 a 3 anos, tinha apenas metade dos alunos por causa pandemia, quando um homem de 18 anos entrou com duas facas e desferiu pelo menos cinco golpes de facão em cada uma das vítimas.
Ele tentou entrar em outras salas, mas professoras conseguiram se trancar e proteger as crianças. Após o ataque, o jovem golpeou o próprio corpo. Internado, passou por cirurgia e está sob custódia, preso em flagrante por quíntuplo homicídio.
A professora Keli Adriane dava aula na creche havia 10 anos. Solteira e sem filhos, seu sonho era lecionar para os pequenos. Também era uma líder do clube de jovens Leo Omega, jogava futebol de salão e aos finais de semana fazia pizza no restaurante de uma amiga, conta o tio Rogério Kipper, 47.
A trave do gol de antes agora é um mural onde lê-se o céu ganhou anjos lindos. Que a família Saudades pra sempre lembrará. Por mais paz, amor e oração. Os amigos de Mirla, da faculdade de engenharia química, estenderam cartazes onde dizem que irão sentir saudades até das suas broncas.
Na missa, o bispo de Chapecó Dom Odelir verbalizou o que ecoa no ginásio: A gente imagina que [esse tipo de ataque] é possível nos Estados Unidos, em São Paulo, mas aconteceu na nossa cidade.
A gente se pergunta o que dizer? Mas estamos aqui juntos tentando de algum modo ajudar essas famílias pra dizer vocês não estão sozinhos, disse ele, que também lembrou das vítimas da Covid-19.
Assim como as famílias que aqui sofrem, no Brasil são 410 mil famílias que perderam seus entes queridos de forma antecipada.
Dor e emoção
Passaram pela missa e pelo velório cerca de 1.000 pessoas, segundo a Polícia Militar. A música Aquarela, de Toquinho, foi cantada para homenagear os educadores. Num dos versos: o futuro é uma astronave que tentamos pilotar. Não tem tempo nem piedade, nem tem hora de chegar. Sem pedir licença muda nossa vida, depois convida a rir ou chorar.
Vários familiares passaram mal e foram atendidos por médicos no local.
Ônibus escolares pintados chamam as vítimas de anjos e heroínas, com frases de vocês não estão sozinhos e para quem tem fé a vida nunca tem fim, em apoio aos enoitados.
O barulho da procissão de cerca de 300 metros até o Cemitério Municipal de Saudades era o silêncio. Vizinhos espreitavam a porta e faziam o sinal da cruz. Fez-se um coro do cântico segura na mão de Deus durante o enterro dos corpos realizado por volta do meio-dia.
