Em um futuro próximo, o esquema de imunização com uma série de vacinas poderá ser substituído por uma ou poucas doses de imunizantes. Esta é a avaliação de Luís Carlos Ferreira, responsável pelo Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas da Universidade de São Paulo (USP) e diretor do Instituto de Ciências Biomédicas da USP. Ele afirma que uma nova geração de vacinas está sendo estudada e que, em cerca de 20 anos, será possível proteger as crianças ao longo de suas vidas com menos doses do que são aplicadas hoje.

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Às vésperas do Dia Mundial da Imunização, que será celebrado no próximo domingo, 9, Ferreira foi entrevistado pelo jornal O Estado de S. Paulo e abordou ainda a queda na cobertura vacinal no País, fake news e as estratégias que podem ser adotadas para evitar que doenças que podem ser prevenidas por vacinação voltem a circular.

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“As vacinas garantem, hoje, a milhões de pessoas a chance de viver. Tomar ou não tomar uma vacina é uma garantia para que crianças, adultos e idosos tenham uma chance de sobrevida maior, evitando doenças que, em outros momentos na história da humanidade, levaram milhões de vidas.” Veja os principais trechos da entrevista.

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Há uma queda na cobertura vacinal no Brasil e em outros países do mundo. Por que está ocorrendo esse processo?

Isso é um fato que está sendo observado não só no Brasil, mas em outros países, justamente pelo sucesso das vacinas. O fato de as vacinas terem eliminado ou reduzido drasticamente alguns tipos de doenças, como a varíola, que foi erradicada e, no passado, matou milhões de pessoas. E mesmo o sarampo, catapora, caxumba, rubéola e outras. Essas doenças, com o advento das vacinas, que foram desenvolvidas no século passado e são muito eficazes, praticamente sumiram ou desapareceram do convívio das famílias. Com isso, (houve) a sensação de uma segurança a ponto de (as pessoas) não se preocuparem mais em usar vacinas, visto que as doenças não eram mais detectáveis. Por outro lado, uma campanha de algumas pessoas e grupos alegando que vacinas poderiam ser prejudiciais à saúde humana. Hoje, isso tudo foi desmentido. O fato de as doenças não estarem circulando mais em nosso meio como no passado e toda uma campanha negativa sobre a vacina fizeram com que a adesão diminuísse. Com isso, estamos vendo o reaparecimento de doenças que, até recentemente, estavam controladas. O exemplo mais recente é o sarampo que, infelizmente, retorna ao Brasil e é um motivo de preocupação para a saúde pública.

O Ministério da Saúde divulgou um levantamento informando que houve queda na cobertura vacinal de crianças com menos de 2 anos. O que tem levado os pais a não manter a carteira de vacinação dos filhos atualizada?

A dificuldade de se manter em dia o calendário vacinal, particularmente para crianças, também é uma consequência do sucesso das vacinas. Hoje, temos cerca de 40 vacinas que já estão disponíveis para utilização em diferentes contextos e em diferentes faixas de idade do indivíduo. Uma parcela delas, incluída no Plano Nacional de Imunizações, é voltada para crianças. Só que o número de vacinas tem aumentado a cada ano. Com isso, o número de idas ao posto de saúde (aumenta) e algumas vacinas são aplicadas em até três doses, o que sobrecarrega esse calendário vacinal e faz com que os pais tenham dificuldade de manter a fidelização desse regime vacinal, que precisa ser seguido. Como enfrentar isso? Com um cadastro nacional digitalizado, que os pais recebessem um aviso, poder chegar mais próximo das crianças e oferecer postos de vacinação nas próprias escolas ou nas creches, mas isso tem um custo a ser considerado. Mas eu, como cientista, e muitos grupos no mundo temos buscado, pelo conhecimento científico, solucionar esse problema. Gerando um conhecimento que nos permita chegar a uma nova vacina, no futuro, que tenha características bem diferentes das atuais. Essa nova vacina tem como intuito reduzir dramaticamente o número de vacinas e de doses que as pessoas precisariam tomar para ficarem protegidas não só contra uma, mas contra várias doenças infecciosas e talvez até doenças degenerativas que afetam crianças, adultos e idosos. Ela não está disponível, está sendo pesquisada em modelos experimentais, mas estimo que, dentro de 20 anos, no máximo, nós teremos soluções científicas e tecnológicas para que todo e qualquer indivíduo possa ser imunizado precocemente e fique protegido pelo resto da vida.

As campanhas estão terminando sem que as metas sejam alcançadas, como ocorreu com a vacina da gripe. O senhor citou as escolas e, na cidade de São Paulo, houve a vacinação fora dos postos de saúde: em estações de metrô e parques. Essa seria uma solução?

Os custos são altos e há uma complexidade. Não é só administrar a vacina. São muitas vacinas e precisa ter o registro, que é individual. Hoje, é tarefa de cada indivíduo ter um controle dessas doses e vacinas que ele toma e raramente a pessoa anda com a carteirinha de imunização no bolso. A dificuldade na logística é séria. Talvez uma ideia, para certos tipos de vacina, como a da meningite, seria que campanhas pudessem ir em escolas e creches. No entanto, a solução definitiva para essa dificuldade deve vir pelo conhecimento científico e a solução tecnológica mais adequada são vacinas administradas em um determinado momento da vida do indivíduo e que confiram uma proteção imunológica de longa duração, de tal maneira que ele não precise tomar muitas vacinas ao longo de sua vida.