Aborto masculino

Crianças e adolescentes sem nome do pai na certidão somam 5 milhões no país

Foto: Pixabay

Milhões de brasileiros não tiveram o que comemorar no Dia dos Pais. A falta de resposta para a pergunta “quem é o pai da criança?”, comum para as “mães solo” que assumem toda a responsabilidade de criar um filho sem a presença paterna, tem crescido nos últimos anos. O registro de crianças sem o nome do pai, quando apenas a mãe comparece para registrar o filho em cartórios, aumentou 1,2% nos últimos cinco anos. Somente neste ano, já foram registradas quase 105 mil crianças com pais ausentes, conforme os dados do Portal da Transparência de Registro Civil no Brasil.

Os dados de pais ausentes, em 6 anos, equivalem a quase 1 milhão. A região Norte do país é a que concentra o maior número de crianças sem o registro do pai em relação ao total de registros, seguida do Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul. Levantamentos de anos anteriores estimam que a marca de crianças e jovens brasileiros sem pai passa de 5 milhões.

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Ter o nome do pai na certidão de nascimento é um direito fundamental. Dele depende, inclusive, a possibilidade de postular pedido de pensão alimentícia em nome da criança. Além disso, também é essencial em casos de herança.

“Esse fenômeno tem raízes culturais, históricas, religiosas e até geográficas. Além disso, torna o Brasil, em termos absolutos e relativos, o país com maior número de crianças ‘sem pai’, no mundo. Por consequência, somos o país com o maior número de ações de investigação de paternidade, com o maior número de ações de alimentos e um dos maiores, em relação à violência contra a mulher”, disse o advogado Camilo de Lélis Colani, presidente da seção estadual da ADFAS na Bahia.

Aborto masculino?

O abandono paterno é, por vezes, tratado como o “aborto masculino”, por muitos especialistas. Para Colani, o abandono da mulher gestante pelo pai da criança desencadeia muitos outros problemas, como a busca pelo aborto, e acende um alerta sobre a busca de responsabilidades.

“Chamo essa ausência de registro de ‘aborto masculino’ em contraposição ao aborto feminino. Muitas mulheres abortam por não ter o amparo de um companheiro e do pai, nos aspectos espiritual e material. Falto o amparo de acompanhar desde o pré-natal até o nascimento e cuidado da criança. A ausência da paternidade expressa uma ausência de sentimento de família, eles não consideram o filho como sua responsabilidade. Quando a mulher antevê o abandono paterno, ela tende a achar mais simples a solução do aborto”, disse.

O professor Marlon Derosa, mestre em Bioética e autor de vários livros sobre os riscos do aborto, vê a ausência paterna como uma fragilidade nas famílias e como um enorme risco para muitas mulheres que optam pelo caminho do aborto.

“O fato de ter muitas crianças sem o pai mostra que as famílias estão fragilizadas e que os casais estão tendo um relacionamento sem discernir sobre a importância do que é ter um relacionamento. As pessoas não estão sabendo se relacionar, buscam algo passageiro que não vai durar, e tem relações sexuais sem qualquer tipo de prevenção, engravidam e as consequências acabam recaindo sobre a criança, que foi concebida sem um lar, e para a mulher, que tem que arcar com todas as responsabilidades sozinha”, alerta.

São muitas as evidências de que a desestruturação familiar aumenta a incidência de crimes. Um país de pais presentes é também um país com menos evasão escolar, menos violência (tanto em casa quanto nas ruas) e menos encarceramento. O zelo pela vida em sua integridade, afinal, não pode ser exigido só de uma das partes.

Um estudo feito pelo Ministério Público de São Paulo em 2018, por exemplo, concluiu que apenas 17% dos adolescentes autores de atos infracionais internados na Fundação Casa moravam com ambos os pais antes de serem colocados nas instituições em que cumpriram medidas socioeducativas. Aproximadamente 14% dos jovens internados viviam com a mãe e o padrasto.

Na grande maioria dos casos, portanto, não havia referência masculina estável. Em 2006, ao fazer uma análise semelhante, uma tese de doutorado da Universidade de São Paulo concluiu que apenas 30% dos adolescentes que cometeram atos infracionais foram criados pelos pais.

Optar pelo aborto – em caso de abandono paterno – jamais deve ser encarado como uma solução para as mulheres. Além dos riscos, Derosa destaca que essa ideia de solução acaba sendo imposta por homens que dizem não ao bebê e deixam as mulheres sem saída.

“O aborto é uma experiência traumática e terrível para mulher – a pior decisão a ser tomada, por ser um assassinato. O feto é exterminado e não se resolve o problema da negligência masculina”, disse Derosa.