Confirmado tráfico de órgãos em Taubaté

O médico Roosevelt Kalume confirmou ontem que houve retirada ilegal de órgãos no Hospital Universitário da Faculdade de Medicina de Taubaté, interior de São Paulo. Quatro médicos teriam cometido o crime em 1987, época em que Kalume era diretor do hospital. Kalume depôs ontem à CPI do Tráfico de Órgãos, da Câmara dos Deputados.

Em entrevista à imprensa, o médico disse que a retirada de órgãos humanos em Taubaté foi descoberta por ele “casualmente”. “Quando eu me informei do que estava acontecendo, procurei os médicos que, inicialmente, negaram e, então, tomei a iniciativa de pedir uma sindicância na universidade e também fiz uma consulta ao Conselho Regional de Medicina de São Paulo pedindo uma assessoria”, explicou.

Segundo ele, ficou provado que algumas pessoas que tiveram seus órgãos retirados ainda não tinham morrido. “As peritagens feitas mostravam que os pacientes tinham fluxo cerebral e, então, eles não estavam com morte cerebral na ocasião em que foram operados”, afirmou. O processo criminal tramita no Fórum de Taubaté e já está em fase de julgamento.

Arquivado

Na época, o Conselho Regional e o Federal de Medicina arquivaram o caso. Kalume ainda afirmou que, “apesar das provas existentes”, o Conselho Federal inocentou os suspeitos. Para ele, o que aconteceu em Taubaté foi uma “irregularidade” que não deve ser confundida com a política de transplante. Ele entende que o ato de doação é um ato de desprendimento e que tem que ser conduzido com muito rigor. “Quando algum desvio é denunciado, esse desvio deve ser investigado e não acobertado em nome dessa política. Isso faz com que as pessoas se sintam mais seguras”, defende.

CPI

Presidida pelo deputado Neucimar Fraga (PL-ES), a CPI ouviria ontem, além de Kalume, o agricultor Sebastião Raimundo Coutinho, que denunciou a cobrança ilegal para o implante de rim de sua esposa, que veio a falecer; o promotor da 2.ª Vara Criminal de Taubaté, Marcelo Negrini, e o delegado da Polícia Federal Célio Jacinto dos Santos, responsável pela investigação de dezesseis casos envolvendo crime de retirada de órgãos em Taubaté.

Promotor teme impunidade

 O promotor do caso dos quatro médicos denunciados por eutanásia, retirada e implante ilegal de órgãos em hospitais de Taubaté e São Paulo quer que o júri popular julgue os casos como de homicídio doloso, cuja pena prevista é de seis a vinte anos de prisão. Em audiência pública promovida pela CPI do Tráfico de Órgãos, o promotor Marcelo Negrini alertou que, se os desembargadores decidirem que houve homicídio culposo, o crime estará prescrito porque a pena é de apenas um a três anos.

Negrini confirmou aos deputados que só em 1997, onze anos depois das primeiras denúncias, recebeu o processo contra os quatro médicos, que encerrou-se em 2000 com a condenação dos réus a júri popular.

Audiência

O delegado federal Célio Jacinto dos Santos também participou da audiência pública. Ele disse aos deputados que há muita dificuldade de se conseguir provas de irregularidades em transplantes de órgãos porque os envolvidos têm medo de falar e a classe médica é muito corporativa.

Célio dos Santos informou que já concluiu nove dos onze inquéritos sob sua responsabilidade que apuravam ilegalidades em transplantes em cidades mineiras. Ele explicou que sua delegacia fica em Varginha (MG), mas que cuida de 128 municípios, totalizando mais de dois milhões de habitantes. Os inquéritos já concluídos foram encaminhados à Justiça, propondo o indiciamento de alguns dos acusados.

CPI poderá ser prorrogada

A Câmara dos Deputados deve analisar na primeira semana do esforço concentrado o pedido de prorrogação dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Tráfico de Órgãos por mais 45 dias. A solicitação tem apoio unânime dos integrantes da comissão, mas ainda precisa ser submetida à deliberação do plenário da Câmara.

A CPI já programou novos depoimentos para o próximo mês. Criada em abril deste ano, a comissão tem prazo de 120 dias de funcionamento, que se encerra em agosto.

O relator, deputado pastor Pedro Ribeiro (PMDB-CE), revela que a comissão já constatou que existe tráfico de órgãos no Brasil. Mas ele explica que o crime está presente, indiretamente, no descaso e no tratamento com os possíveis doadores.

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