brasil

Comunidade luta por uma Heliópolis sem drogas

A lenda sobre fazendeiros avarentos que enterravam potes de barro com ouro para proteger as riquezas do assédio alheio resistiu até meados dos anos 1960. Achar um tesouro perdido já foi a esperança de muita gente. O pai da atual presidente da União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região (Unas), Antonia Cleide Alves, era um dos que sonhavam em colocar as mãos em uma botija dessas.

Com esse propósito, José Alves saiu de Ibicuã, no município de Piquet Carneiro, Ceará, com a mulher e cinco filhos, com destino a Mato Grosso. Infelizmente, a botija nunca foi encontrada – e a família de Cleide precisou trabalhar em uma colheita de algodão e de café para sobreviver. A família seguiria para São Paulo. Primeiro, foram parar na casa de um conhecido na Vila Alpina – só o tempo suficiente para encontrar um lugar para ficar na favela da Vila Prudente. “Não tinha cama, colchão, quase nada. Lembro que o máximo que tinha era um fogão de duas bocas”, disse Cleide. “Meu irmão catava comida na feira. E a gente pedia nas casas.”

Em 1971, a Prefeitura desocupou a favela da Vila Prudente e levou os moradores a um alojamento “provisório” em um terreno que pertencia ao Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (Iapas). Começava a história da maior favela de São Paulo – que tem quase 1 milhão de m² e cerca de 200 mil habitantes.

Claro, entre as famílias acomodadas no local estava a de Cleide. “Lembro que a gente vivia em coletividade, dividíamos banheiro e o espaço para lavar roupas.” A comunidade foi crescendo – e os campos de futebol que formavam a região foram sendo ocupados. Até meados dos anos 1980, as drogas ainda não eram uma questão para o morador. O problema era a presença de grileiros e matadores.

Mobilização

Cleide já era envolvida com grupos de jovens da Igreja quando se interessou por uma assembleia em uma rua da comunidade. Pelo megafone, um homem dizia que “quem quisesse casa que se juntasse a eles”. Foi assim que Cleide aprofundou sua participação. “Ia em todas as reuniões, conhecia todo mundo. Fui entendendo que moradia era um direito.” Neste período, também cursou Ciências Contábeis e Psicologia.

Graças à pressão da comissão de moradores, em 1984 a área foi transferida do Iapas para o BNH, para realizar programas habitacionais. Ainda assim, o fantasma do despejo e das reintegrações de posse rondavam a comunidade.

Para melhor negociar com o poder público, nasceu em 1978 a Unas – União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região. “Com a entidade criada, começamos a discutir a criação de creches, escolas, postos de saúde. Nunca quisemos um lugar dominado pelo tráfico. Nossa luta sempre foi para que Heliópolis se juntasse ao bairro e ao resto da cidade.”

A comunidade passaria outras vezes por ameaças de reintegração de posse. Mas as demonstrações de organização, resistência e, principalmente, a habilidade de conversar com políticos de muitas matizes ideológicas trouxeram mais estabilidade. Hoje a Unas tem mais de 51 projetos sociais em diversas áreas.

Vão de ações culturais, como festivais de música e desfile de carnaval, a trabalhos já consolidados que dão a Heliópolis o título de bairro educador – com colaboração entre comunidade, Escola Municipal Campos Salles e CEU Heliópolis. “Entendemos que nossos filhos podem ser, sim, médicos. Podem, sim, entrar na universidade.”

Quando Cleide fala sobre o “ponto de virada”, destaca a Marcha da Paz. Em 1999, Leonarda, de 15 anos, foi morta com 4 tiros pelo namorado. O crime reverberou na comunidade – que enfrentava toques de recolher do tráfico. “Foi em um período em que a droga matava nossa juventude e também colocou a questão da mulher na sociedade”, lembra. Na época, a Unas organizou a primeira marcha. Com medo de represália do tráfico, o ato foi contra “todo o tipo de violência” – do desemprego e da falta de moradia, por exemplo. Agora, a marcha se repete todo ano. “Estamos quebrando nossas paredes. Queremos um bairro vibrante e que assuma, cada vez mais, sua história e protagonismo.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Voltar ao topo