Um estudo publicado nesta quarta (26) na revista especializada Science Translational Medicine trouxe uma boa notícia para a luta contra a obesidade e pode ser o prefácio de uma nova era de terapias celulares e moleculares para tratar essa condição.

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Segundo a descrição do trabalho, células geneticamente modificadas conseguiram impedir que camundongos engordassem e melhoraram o perfil metabólico dos animais.

No Brasil, de acordo com dados do Vigitel (sistema de pesquisa do Ministério da Saúde), 55,7% das pessoas estão acima do peso e 19,8% estão de fato obesos. Para comparação, nos EUA mais de 40% da população é obesa. A pouca variedade de tratamentos com eficácia comprovada a longo prazo serve de motivação para que cientistas e empresas busquem novos caminhos para lidar com essa questão.

O novo estudo, comandado por Chih-Hao Wang, utilizou células do chamado tecido adiposo branco –tipo predominante no nosso organismo, responsável por armazenar energia na forma de gordura.

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Um outro tipo de tecido adiposo é o marrom, presente em pequenas quantidades no organismo adulto e responsável especialmente por auxiliar o organismo na resposta ao frio, com o aumento da liberação de calor, e, mais importante neste caso, ineficaz na tarefa de estocar gordura.

A estratégia foi transformar os pré-adipócitos brancos em uma espécie de tecido “amarronzado” ou “bege”, ou seja, mais semelhante aos adipócitos marrons.

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Para isso, os cientistas usaram uma variação da técnica de edição genética conhecida como Crispr-Cas9. Em vez de alterar a sequência das “letras” do DNA, como de costume, essa versão da ferramenta permite modular o funcionamento de um gene, na prática criando uma espécie de alavanca molecular de “liga-desliga”.

O que liga e desliga, no experimento, é a atividade do gene da UCP1 (sigla em inglês para proteína desacopladora 1). Esse gene, quando está em ação, aumenta a produção da proteína.

Quando a UCP1 está presente em quantidade suficiente, a mitocôndria (usina de energia da célula) deixa de produzir ATP, molécula que funciona como moeda energética do organismo, e a energia que iria para essa síntese é dissipada na forma de calor. O ATP, por exemplo, é empregado no processo de síntese de moléculas de gordura, normalmente estocadas no tecido adiposo branco.

Com esse drible molecular, os pesquisadores conseguiram células que, geneticamente e estruturalmente, se parecem bastante com as do tecido adiposo marrom. Eles as batizaram de células Humble (humilde, em inglês, acrônimo para human brown-like cells, ou “células humanas semelhantes às [adiposas] marrons”).

As células Humble, inclusive, têm alta densidade de mitocôndrias, o que as deixa de fato mais acastanhadas para quem as observa no microscópio. Elas captam da corrente sanguínea triglicérides e glicose e usam essas moléculas como combustível na produção de calor.

O passo seguinte foi inserir essas células em camundongos do tipo “nude”, que têm baixa rejeição a transplantes.

Os animais foram acompanhados por 12 semanas. Os bichos transplantados apresentaram melhora na resistência à insulina (situação em que esse hormônio para de regular adequadamente a quantidade de açúcar no sangue), aumentaram o gasto energético e se mostraram menos propensos a se tornarem obesos quando submetidos a uma dieta repleta de gorduras.

Dessa forma pode-se dizer que, ao tornar o organismo menos eficiente no estoque de gordura, diversos benefícios metabólicos surgiram.

Luiz Osório Leiria, professor da USP de Ribeirão Preto que participou do estudo, afirma que o risco de abordagens que envolvem modificações genéticas é provocar alterações em genes que não são o alvo da terapia. “Quando um medicamento gera efeitos inespecíficos, é só interromper a administração e eles tendem a cessar. Com a edição de genes não é tão simples assim.”

Segundo Marcelo Mori, professor e pesquisador da Unicamp que não participou do trabalho, a estratégia desenvolvida é interessante, já que dá resposta relativamente simples a um problema biológico complexo.

A obesidade, assim como outras doenças metabólicas, tende a ser explicada por uma pletora de genes, além de fatores ambientais e comportamentais, o que torna a busca de uma terapia algo desafiador.

“Não vejo esse tipo de abordagem como algo realista no curto prazo para o tratamento de doenças metabólicas humanas, mas o estudo mostra, entre outras coisas, que é possível ter um grande efeito com um número pequeno de células transplantadas, valendo-se desse sistema controlado de ativação e desativação”, diz Mori.

Outros obstáculos seriam o preço e as questões éticas sobre edição genética em humanos, diz Leiria. “Não é algo que se faça em larga escala. Seria uma terapia personalizada, de alto custo. Mas esse é o futuro, é algo inevitável.”