Caso Ibsen Pinheiro: US$ 847 mil não explicados

Brasília (AG) – Onze anos depois, a maioria dos personagens envolvidos na investigação que levou à cassação do mandato do ex-presidente da Câmara Ibsen Pinheiro repudia a versão de que eventuais erros cometidos pela imprensa contribuíram para a decisão. A convicção é de que a punição teve forte componente político, devido às relações de Ibsen com os chamados Anões do Orçamento. E, mais importante: os documentos da CPI do Orçamento mostram que a cassação deveu-se a provas de enriquecimento incompatível com seus rendimentos.

De acordo com o relatório da CPI, Ibsen recebeu depósitos não justificados no valor equivalente a US$ 34 mil do ex-deputado Genebaldo Corrêa (PMDB-BA), considerado um dos líderes do esquema de cobrança de propina e desvio de recursos do Orçamento e acusado de demitir um funcionário da Comissão do Orçamento, a pedido do deputado João Alves (PFL-BA), o chefe dos anões, porque descobrira a cobrança de propinas para aprovar emendas.

Numa primeira análise, a Subcomissão de Bancos da CPI do Orçamento, coordenada pelo ex-deputado Benito Gama (BA), levantou que os créditos bancários de Ibsen, entre 1989 e 1993, atingiram o equivalente a US$ 2.376.956. Mas, numa revisão dos cálculos, a subcomissão concluiu que este montante era, na verdade, de US$ 1.278.351. Corrigido o erro, o relatório final da CPI apontou a seguinte situação financeira de Ibsen: dos US$ 1.278.351 que ele movimentou em suas contas entre 1989 e 1993, US$ 847.992 não foram explicados e eram incompatíveis com seus vencimentos, que somaram, no mesmo período, o equivalente a US$ 430.359.

O deputado Roberto Magalhães (PE), ex-PFL e hoje no PTB, e que foi o relator da CPI, fica indignado com a versão de que Ibsen foi injustiçado e cassado também por causa de uma reportagem publicada durante as investigações pela revista Veja e por diversos outros veículos de comunicação. O autor do texto na revista, Luiz Costa Pinto, disse em recente depoimento que a reportagem estava errada: relatava movimentações bancárias de Ibsen de US$ 1 milhão, quando, na verdade, o valor era US$ 1 mil. Mas este erro foi corrigido também pela subcomissão da CPI e ainda assim faltava a explicação sobre US$ 847.992.

“Quando me perguntam se aquela reportagem da Veja da época motivou uma cassação injusta, simplesmente entrego uma cópia do relatório da CPI. Ele explica tudo, que estão ali mais de US$ 800 mil sem explicação”, diz Magalhães.

A investigação que levou à cassação de Ibsen ocorreu um ano depois de ele ter comandado, como presidente da Câmara, a votação do impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, indispondo-se com uma parcela considerável dos deputados que depois seriam responsáveis por sua culpa ou inocência. Em 1993, Ibsen foi também um dos principais articuladores da revisão constitucional, que sofreu forte contestação dos partidos de esquerda e foi inviabilizada pelo governo do presidente Itamar Franco. “A CPI ocorreu num momento difícil, da revisão constitucional. Mas o trabalho da CPI foi técnico”, diz Benito.

Havia ainda a sucessão presidencial de 1994 e a feroz luta interna do PMDB. Para eleger-se presidente da Câmara (1991/1992), Ibsen passara por cima do deputado Ulysses Guimarães, que pretendia retornar ao posto depois de ter ficado em sétimo lugar nas eleições presidenciais de 1989.

Negando a contundência desses fatores políticos, o ex-senador Jarbas Passarinho, que presidiu a CPI, pondera: “Ibsen foi cassado pelos fatos apurados e pelas circunstâncias políticas”. Mas se alguns dos membros da CPI reconhecem o ingrediente político, sustentam que, sem os fatos apurados, e que consideram fortes, ninguém proporia a cassação de Ibsen.

Como líder do PMDB em 1989, Ibsen indicou para a Comissão do Orçamento os anões Genebaldo Corrêa, Manoel Moreira, Cid Carvalho e José Geraldo Ribeiro. Uma foto sua com cinco dos anões nas ilhas gregas, com as respectivas mulheres, agravou sua situação na CPI. Ele disse em seu depoimento que os três cheques de Genebaldo descobertos em sua conta seriam para pagar uma caminhonete comprada para a campanha do candidato do PMDB à Presidência, Ulysses Guimarães. Mas o veículo nunca apareceu e nem a devolução do dinheiro foi comprovada.

“Em relação ao deputado Ibsen Pinheiro comprovou-se a prática de atos passíveis de caracterizar incompatibilidade com o decoro parlamentar, notadamente o enriquecimento sem causa e a prática de infração fiscal. Não há, pois, como deixar de recomendar à Mesa da Câmara dos Deputados que, a seu juízo, decida sobre a instauração do processo por perda de mandato”, diz a conclusão do relatório da CPI do Orçamento.

Durante o processo na CCJ da Câmara, o relator Luiz Máximo (PSDB-SP) agregou novas denúncias. Ibsen foi cassado na CCJ por 37 votos a favor e 13 contra, e no plenário por 296 votos sim e 139 contra.

Anões do Orçamento que renunciaram sofreram menos

O castigo imposto pela CPI não foi tão amargo para os Anões do Orçamento que renunciaram para fugir da cassação, tiveram o mandato suspenso ou foram absolvidos ao longo de doloroso processo. Salvo pelo PFL, o deputado Ricardo Fiúza se reelegeu em 1998 e chegou a relatar o texto do novo Código Civil.

Outros companheiros de Fiúza renunciaram para manter os direitos políticos, mas foram para o limbo. O líder dos sete anões, o ex-deputado João Alves Filho (PFL-BA), continuou morando em Brasília, nos últimos tempos passou a freqüentar cultos evangélicos, e enfrenta agora um câncer terminal.

O ex-anão Manoel Moreira, que teve como algoz na CPI a mulher Marinalva Moreira, diz que a refrega, para ele, teve um lado bom: perdeu o mandato, entregou 60% do patrimônio – avaliado na época em cerca de R$ 2 milhões – para a ex, mas hoje é feliz ao lado de outra esposa, 15 anos mais nova. Na tentativa de voltar ao Congresso em 98, amargou um 383.º lugar, mas não desanima. É estudante de direito e espera montar com a mulher um escritório.

“Graças a Deus agora tenho uma esposa de verdade, 15 anos mais nova e um filho abençoado. Não fui condenado a nada e para desgraça dos meus adversários nunca ninguém na rua me aborreceu. Meu projeto de vida agora é me formar e militar na área do direito.”

Genebaldo Corrêa também renunciou para fugir da cassação e conseguiu, em 2000, se eleger prefeito de Santo Amaro da Purificação. Mas não disputa a reeleição. Diz que se considera preterido no seu direito de ser julgado na Justiça, mas que conseguiu a absolvição das ruas. Até hoje continuam em aberto dois processos por enriquecimento ilícito e denúncia de recebimento de propina para acertar emendas na Comissão de Orçamento para suas bases. Quer disputar em 2006 uma vaga de deputado estadual.

Do cenário político foram varridos os outros integrantes da Máfia do Orçamento. O técnico da Comissão de Orçamento que denunciou o esquema, José Carlos Alves dos Santos, foi condenado pelo assassinato da mulher, Ana Elizabeth Lofrano, que ameaçava denunciar os anões. Em sua casa, a polícia achou no forro uma mala com US$ 600 mil. Já cumpriu pena e foi solto.

O mineiro José Geraldo Ribeiro foi cassado e abandonou a política. É dono de um cemitério e de uma empreiteira. Cid Carvalho, do PMDB do Maranhão, também abandonou a vida pública e trabalha como advogado em Brasília.

“Fui cassado pela Câmara”

Mesmo tendo sido cassado pela Câmara, o ex-deputado Ibsen Pinheiro sustenta sua inocência. Ele se considera vítima de um processo político de linchamento e diz que os fatos apontados pela CPI do Orçamento foram meros pretextos, já que afirma não ter sido detectada qualquer irregularidade na execução das emendas ao Orçamento de sua autoria.

Candidato à Câmara de Vereadores em Porto Alegre pelo PMDB, Ibsen não debita a erros cometidos pela imprensa a perda de seu mandato: “Fui cassado pela Câmara. Seria simples demais atribuir a uma pessoa, a uma revista, a um jornal. Não se pode analisar aquele processo de uma forma simplificada e superficial”.

Para ele, o processo que levou à sua cassação teve componentes políticos, jornalísticos e emocionais. Segundo o político, a imprensa muitas vezes trabalhou com ligeireza e irresponsabilidade ao analisar as informações que eram liberadas pelos integrantes da CPI. “O coração do problema foi político. A CPI ocorreu após o impeachment do Collor e antes da sucessão presidencial. Virei alvo da direita e da esquerda. Pesou contra mim ainda a divisão e a inorganicidade do PMDB”, afirma Ibsen.

Passados 11 anos desde a sua cassação, Ibsen tenta pela segunda vez retornar à política em outubro. Na sua primeira tentativa, em 2002, foi o décimo mais votado do PMDB gaúcho para a Câmara dos Deputados, com 34.565 votos, mas apenas os seis mais votados conseguiram se eleger.

Secretário de Comunicação do governador Germano Rigotto até o início deste ano, Ibsen fala num tom resignado do que lhe aconteceu e dos ensinamentos que ficaram daquele período. “Fui colhido num processo político e a imprensa teve um papel avassalador na destruição moral do alvo. Um processo de linchamento só pode funcionar assim e eu constituía o alvo, a vítima ideal. Descobri que era um deputado de grande expressão pessoal e nenhum poder político. E que num processo político o alvo perde a voz, ele fala e ninguém o escuta”, relembra Ibsen.

Ressabiado com processos de natureza política, ele rejeitou proposta feita pelo deputado Rodrigo Maia (PFL-RJ) de que a Câmara fizesse uma revisão de sua punição.

Para justificar sua posição diz que seria muito complicado sentar-se novamente no banco dos réus ou submeter os seus acusadores a essa condição. E destaca o quanto seria inconveniente abrir um processo de revisão. “A revisão seria só para mim? E os outros que foram punidos pela CPI? Vai se propor também uma revisão para o ex-presidente Fernando Collor?”, pergunta.

O hoje presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, que na época defendeu Ibsen na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara(CCJ), continua convencido de que as provas contra ele eram frágeis se consideradas fora do contexto político que as envolviam. “Se eu tivesse que defender Ibsen Pinheiro de novo, eu o defenderia. As acusações contra ele eram infundadas e isso ficou demonstrado nos processos administrativos (Supremo Tribunal Federal) e fiscais (Receita Federal)”, diz.

Passarinho minimiza erros da imprensa

O ex-presidente da CPI do Orçamento, Jarbas Passarinho, discorda da versão de que eventuais erros cometidos pela imprensa levaram à cassação do deputado Ibsen Pinheiro. Ele reconhece a existência de componentes políticos no processo de investigação e julgamento, mas faz questão de lembrar que havia fatos para justificar as punições: “O Ibsen foi cassado pelos fatos apurados e pelas circunstâncias políticas. O rastreamento da Subcomissão dos Bancos da CPI concluiu que US$ 847 mil de sua movimentação bancária eram incompatíveis com sua renda”.

Sem mandato, trabalhando na assessoria da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Passarinho concorda que Ibsen pode ter obtido os recursos sem ter participado das irregularidades na Comissão de Orçamento. Mas lembra outros fatos irregulares, como, por exemplo, não ter iniciado uma investigação em 1991, dois anos antes da CPI, quando surgiram as primeiras denúncias.

Passarinho cita o fato de Ibsen ter transferido dinheiro para o Uruguai às vésperas do confisco decretado pelo governo Collor. Na sua visão, erros cometidos pela imprensa não foram tão importantes no processo. “O Lula (Luiz Costa Pinto) está assumindo um papel no drama que não existiu”, afirma Jarbas Passarinho.

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